14 outubro 2009

Aumenta a concentração da propriedade da terra no Brasil


Por: Michelle Amaral da Silva

Esperamos que o governo e as diversas instituições que atuam no campo tomem em conta a dramaticidade dos dados que movimentos sociais já vinham denunciando

Na semana passada, o IBGE divulgou com algum atraso, os resultados do Censo Agropecuário relativos a 2006. Os dados são um retrato estatístico da realidade agrária brasileira, medida pela visita dos pesquisadores em todos os estabelecimentos rurais do país, e tomando depoimentos dos seus titulares. A sua publicação ensejou muitos comentários em toda imprensa. E somente com estudos mais apurados e cuidadosos poderemos ter, a partir de agora, inúmeras análises, que possam nos explicar melhor a realidade do meio rural e suas tendências.

Enquanto isso, um olhar sobre as principais tabelas divulgadas já nos permite tirar diversas conclusões, algumas delas apresentadas, inclusive, pelos comentaristas do próprio IBGE, que são de suma importância.

1- A propriedade da terra no Brasil continua se concentrando cada vez mais, comparando os dados do último de censo de 1996 com o atual de 2006. Diminuiu o número de estabelecimentos com menos de 10 hectares. Eles representam os pobres do campo, e eram em 2006 cerca de 2,5 milhões de famílias. A área ocupada por eles baixou de 9,9 milhões de hectares para apenas 7,7 milhões, correspondendo a apenas 2,7% da área total brasileira. No outro lado, temos apenas 31.899 fazendeiros que dominam 48 milhões de hectares em áreas acima de mil hectares. E outros 15.012 fazendeiros com áreas superiores a 2.500 hectares, que totalizam 98 milhões de hectares. São os fazendeiros do agronegócio, que representam menos de 1% dos estabelecimentos, mas controlam 46% de todas as terras.

2 - Esse dado fez com que a concentração da propriedade da terra medida pelo índice de Gini pulasse de 0,852, em 1996, para 0,872 em 2006. Assim, o Brasil ultrapassou o Paraguai, e hoje, certamente, somos o país de maior concentração da propriedade rural.

3 - A produção também se concentrou e se diferenciou. De um lado, a grande propriedade do agronegócio se especializou em produtos para exportação, como soja, milho, cana e pecuária, que dominam a maior parte das terras. Esses três produtos usam 32 milhões de hectares, enquanto os principais alimentos da dieta brasileira usa apenas 7 milhões de hectares para plantar arroz, feijão, mandioca e trigo.

4 - A agricultura capitalista do agronegócio ficou mais dependente do capital financeiro e das empresas transnacionais. O valor bruto da produção agrícola (PIB agrícola) foi de 141 bilhões de reais, em 2006. Destes, 91 bilhões produzidos pelo agronegócio, mas precisou de 80 bilhões de reais de credito rural dos bancos e da poupança nacional para poder produzir. Já a agricultura familiar, produziu 50 bilhões de reais, e utilizou apenas 6 bilhões de reais.

5 - A agricultura familiar produziu comida, e para o mercado interno. O agronegócio produziu commodities, dólares, para o mercado externo. Por isso é dominada pelo controle das grandes empresas transnacionais que controlam o mercado e os preços. As 20 maiores empresas que atuam na agricultura tiveram um PIB de 112 bilhões no ano de 2007. Ou seja, praticamente toda produção do agronegócio é controlada na verdade por apenas 20 grandes empresas. E, em sua maioria, estrangeiras.

6 - O rosto social do povo que vive no meio rural. Há também no censo um retrato da realidade social do meio rural. E a dura realidade emerge nos indicativos de educação. Cerca de 35% de todos os homens adultos e 45% das mulheres, que moram e trabalham no meio rural, não sabem ler e escrever. Apenas 7% da população que mora no meio rural tem o ensino fundamental (8 anos de escola) completos.

Esses dados e outros que não pudemos comentar aqui, por questão de espaço, são reveladores das graves conseqüências desse modelo do capital financeiro e das transnacionais sobre a nossa agricultura, que produziu essa dicotomia entre o modelo do agronegócio e a agricultura familiar. Revela, como as políticas publicas paliativas do Pronaf, Bolsa Família, Luz para Todos, e algum apoio para moradia, são insuficientes para corrigir as graves distorções econômicas e sociais, resultantes da concentração da propriedade da terra e da produção. Daí a atualidade e urgência de uma verdadeira política de reforma agrária, que não seja mais apenas distribuir terras, como o capitalismo industrial clássico fez, mas sim um processo de reestruturação e democratização amplo, do acesso a terra e da reorganização da produção, para abastecimento de alimentos saudáveis, respeitando o meio ambiente, e para o mercado interno. A chamada reforma agrária popular.

Esperamos que o governo e as diversas instituições que atuam no campo, tomem em conta a dramaticidade dos dados, que os movimentos da Via Campesina e as pastorais sociais já vinham denunciando, pois está em curso no Brasil, na verdade, uma contra-reforma agrária, um processo de maior concentração da propriedade e da produção, nas mãos de apenas um por cento de fazendeiros capitalistas, subordinados aos bancos e as empresas transnacionais.


Fonte: Editorial ed. 345 de 07/10/2009 – Portal Brasil de Fato

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