23 dezembro 2009
UNICEF confirma: Cuba tem 0% de desnutrição infantil
Por: Cira Rodríguez César - Prensa Latina
Segundo a ONU, Cuba é o único país da América Latina e Caribe que eliminou a desnutrição infantil severa, graças aos esforços do governo para melhorar a alimentação da população, especialmente dos grupos mais vulneráveis. As duras realidades do mundo mostram que 852 milhões de pessoas padecem de fome e que 53 milhões delas vivem na América Latina. Só no México há 5,2 milhões de pessoas desnutridas. No Haiti, são 3,8 milhões, enquanto que, em todo o planeta, mais de cinco milhões de crianças morrem de fome todos os anos.
A existência de cerca de 146 milhões de crianças menores de cinco anos abaixo do peso ideal no mundo em desenvolvimento contrasta com a realidade das crianças cubanas que estão livres desta enfermidade social. Essas preocupantes cifras apareceram em um recente relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), intitulado “Progresso para a Infância, um balanço sobre a nutrição”, divulgado na sede da ONU. Segundo o documento, os índices de crianças abaixo do peso são de 28% na África Subsaariana, 17% no Oriente Médio e África do Norte, 15% na Ásia Oriental e Pacífico, e 7% na América Latina e Caribe. Depois vem a Europa Central e do Leste, com 5%, e outros países em desenvolvimento, com 27%.
Cuba é o único país da América Latina e Caribe que eliminou a desnutrição infantil severa, graças aos esforços do governo para melhorar a alimentação da população, especialmente dos grupos mais vulneráveis. As duras realidades do mundo mostram que 852 milhões de pessoas padecem de fome e que 53 milhões delas vivem na América Latina. Só no México há 5,2 milhões de pessoas desnutridas. No Haiti, são 3,8 milhões, enquanto que, em todo o planeta, mais de cinco milhões de crianças morrem de fome todos os anos.
Segundo estimativas da ONU, não seria muito custoso garantir saúde e nutrição básica para todos os habitantes dos países em desenvolvimento. Para alcançar essa meta, bastariam 13 bilhões de dólares adicionais ao que se destina atualmente, uma cifra que nunca foi atingida e que é exígua se comparada com os bilhões de dólares destinados anualmente à publicidade comercial, os 400 bilhões gastos em medicamentos tranqüilizantes ou mesmo os 8 bilhões de dólares que são gastos em cosméticos nos Estados Unidos.
Para satisfação de Cuba, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) também reconheceu que esta é a nação com os maiores avanços na luta contra a desnutrição na América Latina. O Estado cubano garante uma cesta básica alimentar que permite a alimentação de sua população ao menos em dois níveis básicos, mediante uma rede de distribuição de produtos alimentícios. Além disso, há instrumentos econômicos em outros mercados e serviços locais para melhorar a alimentação do povo cubano e atenuar o déficit alimentar. Especialmente, há uma constante vigilância sobre o sustento das crianças e adolescentes. A nutrição começa com a promoção de uma melhor e mais natural forma de alimentação.
Desde os primeiros dias de nascimento, os incalculáveis benefícios do aleitamento materno justificam todos os esforços realizados em Cuba em favor da saúde e do desenvolvimento de sua infância. Isso tem permitido elevar os índices de recém nascidos que recebem aleitamento materno até o quarto mês de vida e que seguem consumindo esse leite, complementado com outros alimentos, até os seis meses de idade. Atualmente, 99% dos recém nascidos saem das maternidades com aleitamento materno exclusivo, índice superior à meta proposta, que é de 95%, segundo dados oficiais, nos quais se indica que todas as províncias do país cumprem essa meta.
Apesar das difíceis condições econômicas enfrentadas pela ilha, o governo cuida da alimentação e da nutrição das crianças mediante a entrega diária de um litro de leite a todas as crianças até sete anos de idade. Soma-se a isso a entrega de outros alimentos que, dependendo das disponibilidades econômicas do país, são distribuídos eqüitativamente para as idades mais pequenas da infância. Até os 13 anos de idade se prioriza a distribuição subsidiada de produtos complementares como o iogurte de soja e, em situações de desastre, se protege a infância mediante a entrega gratuita de alimentos de primeira necessidade.
As crianças incorporadas aos Círculos Infantis e às escolas primárias com regime de semi-internato recebem, além disso, o benefício do contínuo esforço por melhorar sua alimentação quanto à presença de componentes dietéticos, lácteos e protéicos. Com o apoio da produção agrícola – ainda enfrentando condições de severa seca – e a importação de alimentos, alcança-se um consumo de nutrientes acima das normas estabelecidas pela FAO. Em Cuba, esse indicador não é a média fictícia entre o consumo alimentar dos ricos e dos que passam fome.
Adicionalmente, o consumo social inclui a merenda escolar que é distribuída gratuitamente a centenas de milhares de estudantes e trabalhadores da educação, com cotas especiais de alimentos para crianças até 15 anos e pessoas de mais de 60 anos nas províncias do leste da ilha. Nesta relação, estão contempladas as grávidas, mães lactantes, anciãos e incapacitados, crianças com baixo peso e altura e o fornecimento de alimentos aos municípios de Pinar del Rio e Havana e também para a Ilha da Juventude. Essas regiões foram atingidas no ano passado por furacões, enquanto que as províncias de Holguín, Las Tunas e cinco municípios de Camaguey sofrem atualmente com a seca.
Esse esforço conta com a colaboração do Programa Mundial de Alimentos (PMA), que contribui para a melhoria do estado nutricional da população mais vulnerável da região oriental, beneficiando mais de 631 mil pessoas. A cooperação do PMA com Cuba data de 1963, quando essa agência ofereceu assistência imediata às vítimas do furacão Flora. Até hoje, já foram concretizados no país cinco projetos de desenvolvimento e 14 operações de emergência. Recentemente, Cuba passou de ser um país receptor a um país doador de ajuda.
O tema da desnutrição tem grande importância na campanha da ONU para atingir, em 2015, as Metas de Desenvolvimento do Milênio, adotada em uma cúpula de chefes de Estado em 2000 e que tem entre seus objetivos eliminar a pobreza extrema e a fome. A ONU considera que Cuba está na vanguarda do cumprimento dessas metas em matéria de desenvolvimento humano. Mesmo enfrentando deficiências, dificuldades e sérias limitações pelo bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos EUA há mais de quatro décadas, Cuba não mostra índices alarmantes de desnutrição infatil como ocorre em outros países. Nenhuma das 146 milhões de crianças menores de cinco anos com problemas de baixo peso, que vivem hoje no mundo, é cubana.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Fonte: CARTA MAIOR
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13 dezembro 2009
Grandes corporações internacionais preparam salto tecnológico para apropriarem-se de toda Natureza
Estudo recém-lançado alerta sobre a concentração de empresas, transformação da natureza em “commodity” e chama a atenção sobre a resistência global baseada na Soberania Alimentar.
O Grupo ETC, baseado no Canadá, com 30 anos de companhamento do poder das grandes empresas e indústrias da chamada “ciência da vida” (“life science”), acaba de lançar um relatório de 48 páginas intitulado “A quem pertence a Natureza?” que reúne e analisa informações sobre a concentração empresarial na comercialização de alimentos, insumos agrícolas, saúde e o impulso estratégico que estão realizando para transformar em commodities os remanescentes recursos naturais do planeta.
Em um mundo onde pesquisa de mercado está tornando-se cada vez mais cara e de acesso exclusivo para seus financiadores, o relatório da ETC contribui para o exercício da cidadania ao publicizar gratuitamente nomes, mostrando a participação das empresas no mercado. Alinha, também, as dez mais da indústria e da cadeia alimentícia. Nem todas companhias identificadas pelo ETC são marcas conhecidas do consumidor, mas coletivamente controlam uma fantástica parcela dos produtos comerciais encontrados nas fazendas que produzem em escala comercial, nas nossas geladeiras e nas farmácias.
O relatório da ETC mostra que:
- De milhares de empresas e instituições públicas dedicadas à produção de sementes, que existiam três décadas atrás, hoje apenas dez companhias controlam mais de dois terços das vendas de sementes certificadas;
- De dezenas de companhias produtoras de pesticidas existentes três décadas atrás, agora temos apenas dez controlando quase 90% das vendas mundiais de agrotóxicos;
- Das quase mil companhias de biotecnologia que começaram a funcionar 15 anos atrás, dez agora respondem por três quartos do faturamento desse setor industrial;
- As dez maiores companhias farmacêuticas controlam 55% do mercado mundial de medicamentos.
Tendo como pano de fundo o colapso sistêmico do ambiente, do clima, dos alimentos e das finanças, “A quem pertence a Natureza” alerta que, com o “engenheiramento” de organismos vivos a uma nano escala (na chamada biologia sintética), a indústria está armando o palco para a apropriação de toda a Natureza pelas empresas.
“Aproximadamente um quarto da biomassa mundial já foi commoditizada”, informa Pat Mooney, do Grupo ETC. “Com a intensificação da pesquisa de engenharia genética, estamos presenciando novas estratégias corporativas para capturar e commoditizar os restantes três quartos da biomassa mundial que, até agora, ficaram fora da economia de mercado”, completa Mooney.
Fonte: observatorio do agronegocio, tradução de Maurício Galinkin
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06 dezembro 2009
Resistência ao glifosato: pesadelo assombra produtores de soja transgênica
Por Alejandro Nadal *
Um fantasma percorre os campos do Chaco, norte da Argentina. Após meses de investigação e acaloradas disputas, confirmou-se a existência de uma variedade de sorgo (Sorghum halepense – também conhecido no Brasil como capim Massambará, Pasto Russo ou Erva de São João) resistente ao herbicida glifosato, na província de Salta. É o primeiro caso de uma variedade de sorgo resistente ao glifosato desde que esse herbicida começou a ser usado no mundo, há três décadas. A difusão desta erva daninha através das colheitadeiras que circulam por todos os lados após cada safra não é um bom augúrio.
A presença do sorgo resistente ao glifosato já foi reconhecida pelo principal organismo encarregado de vigiar as ervas daninhas resistentes a herbicidas (www.weedscience.org). Essa descoberta é um pesadelo que se tornou realidade para os produtores de soja transgênica. É também uma lição para a Sagarpa (organização mexicana de proteção fitossanitária), que acaba de autorizar ilegalmente as primeiras plantações experimentais de milho transgênico no México. É o primeiro passo no caminho para autorizar a plantação comercial e consolidar a liberação do milho geneticamente modificado no México, centro de origem deste cultivo de importância mundial.
Vamos por partes. O Sorghum halepense é uma das dez principais ervas daninhas que afetam a agricultura de climas temperados. É uma erva daninha perene, dotada de grande capacidade de reprodução e sobrevivência ao controle por meios mecânicos. A ironia é que em muitos países, incluindo a Argentina, foi introduzido como uma espécie forrageira, por sua alta produtividade e capacidade de adaptação. Em poucos anos, converteu-se em uma praga cujo combate com agentes químicos teve grandes custos para os agricultores e para a biodiversidade.
Na luta contra essa “erva daninha perfeita” vinha se usando o glifosato, herbicida de amplo espectro que destrói, em plantas superiores, a capacidade de sintetizar três aminoácidos essenciais. É o herbicida seletivo de maior venda no mundo e sua expansão acelerou-se com os cultivos transgênicos como os da soja Roundup Ready, da Monsanto, geneticamente modificada para aumentar sua resistência ao glifosato. Hoje, a soja transgênica é plantada em cerca de 18 milhões de hectares na Argentina. Esse cultivo transformou a paisagem rural do pampa, transtornando as relações sociais que permitiam a pequena agricultura e abrindo as portas para o agronegócio em grande escala. As exportações de soja são o principal sustento da política fiscal Argentina: 18% da receita fiscal total vêm do imposto sobre as vendas de soja ao exterior. Mas o colapso desta bolha da soja é uma questão de tempo. A aparição do sorgo resistente ao glifosato é só um aviso. A soja transgênica usa um pacote tecnológico de plantio direto (ou lavragem mínima), onde se deixa o mato cobrir a terra para protege-la da chuva e do vento. Isso reduz os riscos de erosão, mas deve ser acompanhado de um incremento no uso de herbicidas. Esse tipo de cultivo está associado a um crescimento espetacular do uso destes insumos: em apenas dez anos, o consumo de glifosato passou de 15 a 200 milhões de litros.
O resultado, no final do caminho, era de se esperar: cedo ou tarde, apareceriam espécies resistentes às estratégias desenhadas e implementadas por este modelo de agricultura comercial. Com a difusão do pacote tecnológico da soja transgênica, essa resistência apareceria mais rapidamente, pois o processo de co-evolução (que, no fundo, é o que rege esse fenômeno) iria se acelerando. É o que acontecerá também com o milho transgênico cujo plantio está sendo autorizado agora no México. A aparição de insetos resistentes à toxina produzida nos cultivos transgênicos Bt é uma questão de tempo.
Ainda não há registro de grandes populações resistentes à toxina Bt, mas em parte isso se deve à estratégia que consiste em deixar refúgios de plantas não transgênicas nas áreas plantadas. Nos Estados Unidos, essa prática tem sido acompanhada pelo uso complementar de inseticidas. Mas a advertência de ecólogos e agrônomos segue vigente: essas estratégias só retardam o processo de aparição de insetos resistentes ao Bt, não o detém. O cultivo de milho transgênico no México aumentará a probabilidade de surgimento de populações de insetos resistentes ao Bt em um menor espaço de tempo. Esse não é o único problema, mas o exemplo do sorgo na Argentina é um sinal que não devemos ignorar.
A trajetória tecnológica dos cultivos geneticamente modificados nos conduz a um beco sem saída. É claro que, para as empresas e seus cúmplices no governo, este é um bom instrumento para tornarem-se donas do campo, transformando-o em seu espaço de rentabilidade. Para a Sagarpa e o governo (falando aqui do caso mexicano) nada deve se interpor entre as companhias transnacionais e a rentabilidade, nem sequer a débil legislação sobre biossegurança que foi desenhada para servir aos interesses dessas mesmas empresas.
* Alejandro Nadal é economista, professor pesquisador do Centro de Estudos Econômicos, no Colégio do México. Colaborador do jornal La Jornada, onde este artigo foi publicado originalmente dia 20 de outubro.
Fonte: MST
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04 dezembro 2009
"No agronegócio não existe essa questão de produção ecologicamente correta", diz coordenador da CPT
Por: Aldrey Riechel - 30/11/2009
O agronegócio visa somente o lucro e dificilmente irá ter uma real preocupação com as questões ambientais e relações de trabalho. A opinião é do Coordenador Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) Dirceu Fumagalli, que participou da divulgação dos dados preliminares do relatório de conflitos do campo. A região Norte foi a que apresentou os maiores índices de assassinatos e trabalho escravo do País.
De janeiro a novembro deste ano, nove lideranças, posseiros, indígenas e sindicalistas foram assassinadas no Norte do Brasil, área onde também foram encontradas 83 pessoas que trabalhavam em situações análogas à de escravo no mesmo período. Embora ainda seja líder, a região apresentou uma queda nos números de assassinatos e de trabalho escravo, se comparado a 2008, quando os índices foram 12 e 111, respectivamente.
Fumagalli afirma que um dos principais geradores desses índices é o avanço do agronegócio em regiões como Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que faz com que outras culturas, como a pecuária, avancem sobre a floresta. Dessa forma, segundo ele, aumentam os conflitos pela terra entre os pecuaristas, madeireiros e agricultores e as populações tradicionais. Uma briga entre o "interesse do capital e a luta pela dos trabalhadores e trabalhadoras", como define.
Em entrevista ao site Amazonia.org.br, Fumagalli comenta a elaboração dos estudos de violência do campo e afirma que os dados podem ser ainda maiores. Segundo ele, a única solução para o enfrentamento do problema seria a reforma agrária, tendo em vista a necessidade de se reconhecer as terras tradicionalmente ocupadas e a desapropriação de latifúndios.
Confira abaixo a entrevista:
Amazonia.org.br - Como é realizado o levantamento de dados para a elaboração dos relatórios de violência no campo da CPT?
Fumagalli - A CPT está organizada em todas as unidades federativas, com exceção do Distrito Federal, onde temos os nossos agentes. Às vezes temos várias equipes em um núcleo regional e são eles que são nossos "catalisadores" de informações, além de termos um grupo de documentarista em Goiânia que coordenada todo esse departamento de documentação. Elas fazem toda a triagem diária de pelo menos 200 jornais ou boletins que circulam no território nacional.
É esse banco de dados que nós compilamos e sistematizamos anualmente, desde 1985. Temos esse banco de dados aqui em Goiânia na sede da CPT Nacional e todo final de ano publicamos um documento, que chamamos de Caderno de Conflitos do Brasil.
Amazonia.org.br - Existem muitos casos de violência contra os trabalhadores rurais que não são documentados pelos meios de comunicação. Você acredita que os números de violência podem ser maiores do que os que vocês apresentam?
Fumagalli - Com certeza. Não temos presença em todas as questões do território nacional. Seguramente a violência e o conflito no campo são maiores do que aquilo que nós sistematizamos.
Amazonia.org.br - Além de divulgarem para organizações, impressa e movimentos sociais, vocês costumam usar os dados para estimular a proposição de políticas públicas ou enviam para algum órgão do governo?
Fumagalli - O entendimento que nós temos é que quem tem que se apropriar dessa luta, dos mecanismos de organização, de pautar suas reivindicações são os próprios trabalhadores. Eles que têm que ser protagonistas das suas ações, diretamente ou por meio de suas organizações. A Comissão Pastoral da Terra não é uma organização representativa, é uma entidade de serviço.
O entendimento que temos é que, ao atualizar o banco de dados, fazermos algumas interpretações e análises e devolvemos isso para os protagonistas da ação do campo. Eles se encontram dentro do conflito e consequentemente buscarão, através de seus pares, formulação de políticas públicas ou enfrentamento daqueles que de fato devem enfrentar como o próprio agronegócio, no caso, e as reivindicações para o governo ou a pressão em cima daqueles de fato têm provocando conflitos.
Amazonia.org.br - Os números de pessoas assassinadas por conflitos no campo costuma ser maior na região Norte. Eu gostaria de saber sua opinião em relação a esse dado. Por que nessa região?
Fumagalli - Vários fatores. A CPT na verdade surgiu na região Norte, no Pará e depois se espalhou pelo território nacional rapidamente porque foi compreendido que o conflito do campo não é um "privilégio" da região. Infelizmente é uma realidade nacional.
Agora o que nós temos observado é que a pressão do modelo do agronegócio no centro-sul do país, onde o agronegócio tem mais voracidade e se apropriou da terra, pressiona outras culturas para que migrem. Principalmente a questão da pecuária nas áreas de fronteiras. Por isso que alguns estados, em especial os que estão mais na fronteira com o centro-oeste e fazem essa transição centro-oeste-norte é que são mais pressionados. Então por isso que o Pará, Rondônia e Tocantins, por assim dizer, são os três estados que fazem essa "entrada na região" onde nós sempre vamos encontrar uma incidência de violência maior.
É a pressão do modelo que faz com que a própria pecuária se expanda para a região, e para que haja espaço para a pecuária e todos os madeireiros, as comunidades tradicionais são pressionadas. Em conseqüência disso há reação e resistência: esse conflito entre o interesse do capital e a luta pela vida dos trabalhadores e trabalhadoras.
Amazonia.org.br - Neste relatório é possível perceber também um aumento significativo de todos os dados de conflitos no campo na região Sudeste, regiões que são mais conhecidas por suas cidades...
Fumagalli - E é estranho... quer dizer, deveria causar não só uma estranheza, mas uma indignação de nossa parte. O sudeste, tido como a região mais desenvolvida do país, é onde encontramos a maior concentração de conflitos e principalmente trabalho escravo. Não digo que isso é uma aberração, mas é no mínimo um alerta para a sociedade brasileira de que nós não podemos conviver pacificamente com essa situação, com a alta exploração e inclusive com a condição de trabalho escravo nos estados desenvolvidos como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Amazonia.org.br - Acha que isso é um indicador de que nossa produção não está caminhando para uma produção mais ecológica e socialmente justa?
Fumagalli - No agronegócio não existe essa questão de uma produção ecologicamente correta e nem justa nas relações trabalho. Ele visa o lucro. Por isso que, nessas regiões onde o agronegócio se consolidou e teve respaldo, inclusive de políticas de governo, consequentemente vamos encontrar o capital mais livre e, por causa da impunidade, nós não encontramos fazendeiros presos porque escravizaram, mesmo isso sendo um crime. Muito menos que perdem seus bens ou que sejam castigos por alguma questão. Essa impunidade no campo é que um dos grandes fatores que continua fomentando e gerando crimes e permitindo a pressão da violência no campo.
Amazonia.org.br - Acredita que existe algum caminho para diminuir reverter esse quadro e diminuir os índices de violência no campo?
Fumagalli - O caminho é a reforma agrária em primeiro lugar. Reforma agrária, no sentido da desapropriação dos latifúndios, reconhecimento dos territórios tradicionalmente apropriados pelas comunidades, tanto áreas indígenas, como os quilombolas, os territórios dos ribeirinhos. Temos que ter uma regularização fundiária e a desapropriação dos latifúndios. Se isso não ocorrer, os proprietários desse mecanismo vão continuar fazendo com que as terras cumpram um único objetivo: gerar lucro. E não gerar alimento ou um lugar para se viver, mas um lugar para se produzir, produzir lucro.
Fonte: Amazonia.org.br
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02 dezembro 2009
Parlamentares de direita golpeiam MST
Por: Eron Bezerra*
“Primeiro eles vieram e levaram os comunistas; não protestei, afinal eu não era comunista; depois eles voltaram e levaram os sindicalistas; não me importei, o problema não era meu; .... quando, finalmente, eles chegaram para me levar eu não tinha sequer a quem pedir socorro”. Esse célebre poema do poeta alemão Berthold Brecht sintetiza, sem dúvidas, o sentimento e as preocupações que qualquer militante de esquerda deve expressar diante da CPI que a direita acaba de conseguir instalar no Congresso Nacional.
O propósito da direita não é investigar eventuais excessos e muito menos aprimorar as relações de produção no campo. Seu objetivo central é criminalizar os movimentos sociais como um todo. Como o ambiente democrático do país não comporta essa aberração, a tática adotada por eles foi a da “seletividade”. Concentraram os ataques sobre o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) e acabam de instalar a chamada “CPI do MST”. É bom não esquecer, porém, que eles já tentaram a “CPI da UNE”.
A tentativa de criminalizar as ações da UNE é auto-explicável. A quase centenária entidade estudantil brasileira é uma das mais importantes do mundo em sua área de atuação. Reúne, ademais, uma ampla coalizão de forças políticas e grande prestígio político. A direita sonhava em ver a UNE como instrumento de ataque ao governo Lula. A UNE, todavia, jamais se prestaria a ser instrumento da direita para inviabilizar um governo de centro esquerda. Diante disso a UNE virou alvo.
A “escolha” do MST também não é por acaso. A existência desse movimento não permite ao país esquecer que ele possui uma das mais graves concentrações de terra do mundo. Tudo que a direita e suas representações sociais (UDR, parlamentares que assinaram a CPI, etc.) querem esconder da sociedade.
Enquanto organizações como o MST, MCC, CONTAG, etc. existirem e atuarem a pauta da Reforma Agrária no Brasil não poderá ser colocada p’ra debaixo do tapete. Continuará rondando o latifúndio improdutivo. E isso é tudo que a direita não quer vê em debate.
Esse embate, portanto, está diretamente ligado a luta pela posse da terra. Os democratas e patriotas do Brasil devem denunciar, em todos os fóruns, mais essa tentativa de golpear os trabalhadores e criminalizar suas organizações.
Mas se a CPI efetivamente for instalada e prosperar, então devemos aproveitá-la para fazer uma radiografia da concentração de terras no Brasil, investigar a morte de milhares de trabalhadores vitimados pelo latifúndio e a forma fraudulenta como muita gente virou proprietário de terra, especialmente na Amazônia, sem nunca ter comprado um hectare de terra sequer.
Será um bom debate. Vejamos quem agüenta atravessar o rubicão.
*Engenheiro Agrônomo, Professor da UFAM, Deputado Estadual Licenciado, Secretário de Agricultura do Estado do Amazonas, Membro do CC do PCdoB.
Publicado originalmente no Vermelho
“Primeiro eles vieram e levaram os comunistas; não protestei, afinal eu não era comunista; depois eles voltaram e levaram os sindicalistas; não me importei, o problema não era meu; .... quando, finalmente, eles chegaram para me levar eu não tinha sequer a quem pedir socorro”. Esse célebre poema do poeta alemão Berthold Brecht sintetiza, sem dúvidas, o sentimento e as preocupações que qualquer militante de esquerda deve expressar diante da CPI que a direita acaba de conseguir instalar no Congresso Nacional.
O propósito da direita não é investigar eventuais excessos e muito menos aprimorar as relações de produção no campo. Seu objetivo central é criminalizar os movimentos sociais como um todo. Como o ambiente democrático do país não comporta essa aberração, a tática adotada por eles foi a da “seletividade”. Concentraram os ataques sobre o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) e acabam de instalar a chamada “CPI do MST”. É bom não esquecer, porém, que eles já tentaram a “CPI da UNE”.
A tentativa de criminalizar as ações da UNE é auto-explicável. A quase centenária entidade estudantil brasileira é uma das mais importantes do mundo em sua área de atuação. Reúne, ademais, uma ampla coalizão de forças políticas e grande prestígio político. A direita sonhava em ver a UNE como instrumento de ataque ao governo Lula. A UNE, todavia, jamais se prestaria a ser instrumento da direita para inviabilizar um governo de centro esquerda. Diante disso a UNE virou alvo.
A “escolha” do MST também não é por acaso. A existência desse movimento não permite ao país esquecer que ele possui uma das mais graves concentrações de terra do mundo. Tudo que a direita e suas representações sociais (UDR, parlamentares que assinaram a CPI, etc.) querem esconder da sociedade.
Enquanto organizações como o MST, MCC, CONTAG, etc. existirem e atuarem a pauta da Reforma Agrária no Brasil não poderá ser colocada p’ra debaixo do tapete. Continuará rondando o latifúndio improdutivo. E isso é tudo que a direita não quer vê em debate.
Esse embate, portanto, está diretamente ligado a luta pela posse da terra. Os democratas e patriotas do Brasil devem denunciar, em todos os fóruns, mais essa tentativa de golpear os trabalhadores e criminalizar suas organizações.
Mas se a CPI efetivamente for instalada e prosperar, então devemos aproveitá-la para fazer uma radiografia da concentração de terras no Brasil, investigar a morte de milhares de trabalhadores vitimados pelo latifúndio e a forma fraudulenta como muita gente virou proprietário de terra, especialmente na Amazônia, sem nunca ter comprado um hectare de terra sequer.
Será um bom debate. Vejamos quem agüenta atravessar o rubicão.
*Engenheiro Agrônomo, Professor da UFAM, Deputado Estadual Licenciado, Secretário de Agricultura do Estado do Amazonas, Membro do CC do PCdoB.
Publicado originalmente no Vermelho
19 novembro 2009
Após voto favorável aos Xavante, TRF suspende julgamento sobre terra do povo
Foi suspenso ontem, 16 de novembro, o julgamento sobre a terra Maraiwatsede, após o voto do relator do processo, juiz federal Pedro Francisco da Silva, que foi favorável ao povo Xavante. Após o voto do relator, o desembargador João Batista Moreira pediu vista do processo e anunciou que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) retomará o julgamento do caso no início de 2010, quando ele apresentará seu voto.
Em sua decisão, Silva indeferiu os pedidos dos réus – fazendeiros e posseiros que ocupam a área indígena – e considerou válido o processo de demarcação da terra no norte do Mato Grosso. Os cerca de 40 Xavante que acompanharam o julgamento no TRF1 ficaram insatisfeitos com o adiamento da decisão, mas estão confiantes que a decisão final sobre o caso determinará a retirada dos ocupantes não índios da terra do povo, cuja demarcação foi homologada em 1998. Apesar da terra continuar invadida, em 2004, um grupo Xavante voltou para a Maraiwatsede, onde vivem cerca de 900 indígenas em uma única aldeia.
“O primeiro voto foi bom, mas a gente fica um pouco sem paciência, por que já tem muito tempo que a gente quer viver de novo na nossa terra. Os velhos queriam voltar para morrer lá, por isso voltamos. A terra é nossa. Dizem que não tinha Xavante lá. Isso é mentira. Eu nasci em Marairawtsede e fui levado de lá com meu pai, meus irmãos...” avalia o cacique Damião. Ele foi um dos 234 indígenas que foram transferidos de Maraiwatsede em 1966 para a terra São Marcos - também dos Xavante – no sudeste do Mato Groso. Uma semana após o deslocamento, em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), quase 70 Xavante já haviam morrido vítimas de sarampo - entre eles o pai de Damião.
Marco temporal e esbulho
No tribunal, os advogados de defesa dos fazendeiros e posseiros argumentaram que não havia indígenas na terra Maraiwatsede desde 1966. Dessa forma, considerando que a Constituição Federal determinaria a data de 5 de outubro de 1988 como marco temporal para a identificação da ocupação tradicional de terras indígenas, a terra Maraiwatesede não poderia ser demarcada.
Ao analisar este argumento, o juiz Pedro Francisco da Silva fez referência à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol. Considerando o acórdão do STF sobre este caso, Silva destacou que a questão central para o caso é saber se os Xavante estavam na terra em 1988 ou se não estavam por que foram retirados do lugar. Após considerar todos os documentos apresentados, o juiz concluiu que os Xavante foram “despojados de suas terras por Ariosto Riva e pelo Grupo Ometto” com o objetivo de expandirem a produção na chamada fazenda Suiá-Missu – que se instalou sobre a terra indígena. “Pode-se dizer que não havia indígenas em 1988, mas não se pode negar a verdade de que isso se deu por expulsão urdida pelos administradores da fazenda Suiá-Missu”, afirmou o juiz em seu voto.
Fonte: CIMI
Casaldáliga: disputa entre xavante e posseiros por Marãiwatsede (MT) está longe de terminar
"A justiça tem sido muito lenta". A frase é do bispo aposentado de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, que comemorou a decisão da Justiça Federal em devolver a terra indígena de Suiá Missú aos xavante, mas reconhece que essa disputa, iniciada na década de 60, ainda está muito longe de terminar.
Casaldáliga lembra que entre 1963 e 1966, os xavante que moravam na região do município de Alto Boa Vista foram transferidos das terras em que viviam, chamada Marãiwatsede, com 165 mil hectares. Segundo os xavante, a terra foi vendida naquela época pelo governo de Mato Grosso a um grupo de usineiros do interior de São Paulo.
Desde que foram obrigados a deixar Marãiwatsede, os índios travam uma batalha pela posse da terra e ainda sonham com o retorno à região. Como conseqüência disso, vários conflitos foram registrados envolvendo a população indígena e famílias de posseiros e fazendeiros que passaram a ocupar o local. Até mesmo madeireiras clandestinas já se instalaram naquela área.
A decisão
No início deste mês, o juiz José Pires da Cunha, da 5a Vara Federal de Mato Grosso, em decisão de mérito, determinou que os posseiros desocupassem a área. Com isso, os xavante poderiam retornar à terra de origem deles.
Casaldáliga ressalta que a decisão do magistrado é louvável, mas ele revela estar pessimista quanto à devolução das terras aos índios. "A decisão do juiz foi totalmente constitucional e corajosa, defende as terras dos xavante e os ocupantes vão ter que sair", frisa o bispo, que durante décadas acompanhou a luta dos indígenas. No entanto, Casaldáliga afirma que os xavante estão desconfiados. "Como já tenho ouvido muitas vezes promessas, os índios estão, como diz o povo, 'cabreados'".
Os xavante aguardam a devolução das terras de Suiá Missú e esperam que não haja mais reviravoltas. "Agora vamos aguardar porque os outros apelaram a instâncias superiores. Quando chega nesse nível de pingue-pongue, pode durar anos", disse Casaldáliga ao RMT Online.
Desmatamento
Dom Pedro Casaldáliga prevê mais disputas judiciais entre índios e posseiros e lamenta que a natureza, nesse ínterim, esteja sendo destruída. "Na década de 60, entre 1963 e 1966, os índios xavantes que moravam naquela região foram transferidos. E eles têm continuado insistindo na terra Marãiwatsede. Começaram a entrar lavradores, comerciantes e fazendeiros, que esses anos todos estão ocupando a terra, desmatando a região. E a justiça tem sido muito lenta porque implica em roubo de terra, implica em agronegócio e povos indígenas".
Segundo o bispo, há centenas de famílias recenseadas, cadastradas, e que têm direito à terra. "Há também vários grupos flutuantes de famílias. E muitos outros já se cansaram e foram embora", completou.
Questionado se acredita em uma solução rápida para o conflito, a resposta é pessimista. "Acho que, infelizmente, não. Apelação vira um jogo de pingue-pongue. Apelam em uma instância, apelam de novo", argumenta Casaldáliga. Ele reconhece, porém, que a vantagem é que esse problema todo tem se oficializado. "Nenhuma das instâncias políticas ou jurídicas pode dizer que não conhece e que não sabe [do conflito], porque se tem falado bastante sobre isso".
Casaldáliga conta que não há registros recentes de confronto entre índios e posseiros ou fazendeiros, mas que a tensão ainda sobrevive na região. "Ameaças. Houve algum tipo de confronto localizado. Por exemplo, um grupo dessas famílias, que estava em uma área do Incra, dentro do município de Bom Jesus [do Araguaia] viu seus barracos destruídos pela polícia".
Publicado originalmente em:12/03/2007 no RMT Online
Fonte: CIMI
Villa-Lobos: Os 50 anos da morte de um gênio da música
Esta semana fez 50 anos da morte de Heitor Villa-Lobos. Ele faleceu no dia 17 de novembro, no Rio de Janeiro, aos 72 anos. Não foi pequena a comoção pelo desaparecimento do nosso maior compositor. Para um grupo, desaparecia o criador de uma música essencialmente brasileira, desbravador de sertões e florestas em busca do folclore que serviria de inspiração a suas obras; para outro, o grande vilão da criação moderna, símbolo do conservadorismo.
Quem estava certo? No palco da vida musical brasileira, Villa-Lobos desempenhou, desde sua morte, diversos papéis. E nos últimos anos não apenas a vanguarda reviu a posição crítica com relação à sua obra, como o folclore mostrou-se apenas parte de um todo bastante maior.
Menos do que um símbolo, Villa hoje reaparece como figura incoerente, que cabe em todas as definições que se aplicaram a ele - mas não se limita a nenhuma delas. Está, enfim, livre para ser ele mesmo.
Conjunto caótico
"Já é hora da obra de Villa-Lobos falar por si própria", diz o maestro e compositor Gil Jardim, autor de O Estilo Antropofágico de Villa-Lobos. "Temos depurado nossa percepção de seu legado e a obra vem conquistando crescente autonomia pelo seu valor intrínseco", continua.
Villa-Lobos nasceu no Rio em março de 1887. Autodidata, foi influenciado pela música dos chorões cariocas, assim como demonstrou interesse desde o início por manifestações folclóricas. Viveu durante duas temporadas em Paris (nos anos 10 e 20), onde teve contato com a música de Claude Debussy e Igor Stravinski e, no fim da vida, morou nos EUA, onde compôs para cinema e para a Broadway.
Escrevia muito, sem se preocupar em passar a limpo ou revisar as partituras. Entrar na sua obra é, portanto, conviver com um universo caótico de cerca de 1.200 peças das mais diferentes proporções, inspirações e técnicas, como os ciclos das Bachianas Brasileiras e dos Choros.
"Ele conseguiu um amálgama de muitas correntes de sua época, como o nacionalismo, o neoclassicismo, o experimentalismo, o exotismo, até mesmo prediz o minimalismo", diz a pianista Sonia Rubinsky, que gravou a integral de sua obra para piano (selo Naxos).
"Ezra Pound disse que um escritor se divide em três categorias: aquele que inventa e, portanto, muda a história; aquele que é um mestre e consegue captar com maestria as ideias de outros; e aquele que copia. Parece que Villa-Lobos foi tudo isso. Ele extrapola rubricas", acredita a compositora Jocy de Oliveira.
Para o maestro Julio Medaglia, até mesmo a relação dele com o folclore já passa por reavaliação. "Ele não foi um provinciano. Ele sabia o que de novo se fazia na Europa e armou uma guerra entre a matéria-prima nacional e o know-how da música do Ocidente", diz. "O que resta, hoje, é sua obra extensa, polêmica, forte, carismática, com muita brasilidade, mas também universalidade", completa o maestro Luis Gustavo Petri.
"Sua obra, irregular, complexa, tem muitos aspectos ainda a serem avaliados", afirma o violonista Edelton Gloeden. E o compositor Gilberto Mendes, um dos autores do Manifesto Música Nova, que orientou parte da vanguarda brasileira, acrescenta: "Admiro sua inventividade, a modernidade de sua linguagem. Não me interesso pelo seu brasileirismo e, sim, ao contrário, pelo seu ecletismo tropicalista pós-moderno avant la lettre".
Gerações
A revisão da imagem de Villa-Lobos de alguma forma parece relacionada à dissolução da dicotomia entre nacionalistas e vanguardistas que, meio século depois, já não pauta mais a produção de compositores brasileiros. "Estamos livres do domínio ideológico e político associado à imagem de Villa, e cada vez mais se interessando pelo compositor, seu métier e obras que ainda estão por ser melhor entendidas, e que têm muito a contribuir na formação de novas bases da composição, especialmente no âmbito da orquestração e da estruturação formal", diz o compositor Leonardo Martinelli.
"Os músicos da geração seguinte a Villa-Lobos foram de algum modo intimidados por sua sombra. Já minha geração foi formada reagindo negativamente à escola nacionalista e, a princípio, o ignoramos. Mas em meados dos anos 80 começamos a descobrir que Villa-Lobos tinha também muitas facetas revolucionárias e pudemos recuperar aspectos da linguagem de suas obras atonais e continuar a desenvolvê-los sem que isso representasse um peso intimidador", diz o compositor e professor da USP Rodolfo Coelho de Souza, apontando para uma realidade na qual a música brasileira parece livre da sombra onipotente do autor das Bachianas.
Não chega a ser um paradoxo que tal realidade liberte o próprio Villa-Lobos de sua história. E o traga para o presente.
Com O Estado de S.Paulo
Fonte: Vermelho
09 novembro 2009
Pesquisa mostra insatisfação com livre mercado, 20 anos depois de queda do muro
Uma pesquisa realizada a pedido da BBC em 27 países e divulgada nesta segunda-feira apontou que existe uma grande insatisfação com o capitalismo de livre mercado, 20 anos após o episódio que marcou a derrocada de seu sistema rival, o comunismo.
Em um universo de 29 mil entrevistados, apenas 11% disseram que o capitalismo “funciona bem” e que uma maior regulação por parte dos governos o tornaria “muito menos eficiente”.
Por outro lado, 23% opinaram que o sistema “está cheio de falhas e precisamos de um novo sistema econômico”.
Os resultados foram compilados para coincidir com os 20 anos da queda do muro de Berlim, que dividia a cidade em duas metades, uma ocidental, capitalista, e outra oriental, comunista.
“Parece que a queda do muro de Berlim, em 1989, não foi a vitória arrasadora para o capitalismo de livre mercado que parecia à época”, disse Doug Miller, presidente da Globescan, uma das empresas parceiras da iniciativa.
Após mais de uma década de experiências neoliberais, iniciadas a partir do chamado consenso de Washington, nos anos 1990, e sobretudo depois da crise econômica atual, atribuída em grande parte aos excessos do mercado, a pesquisa mostrou uma receptividade de cidadãos em diversos países a algum tipo de presença governamental da economia.
A maioria dos entrevistados (51%) opinou que o capitalismo de livre mercado “tem alguns problemas, mas esses problemas podem ser resolvidos através de reformas no sistema e mais regulação/ controle”.
“As pessoas não querem abandonar o capitalismo, mas moderá-lo”, disse Steven Kull, diretor do Programa sobre Atitudes em Políticas Internacionais (Pipa, na sigla em inglês), com sede em Washington, parceiro da pesquisa.
Para Kull, “há espaço para os governos atuarem na distribuição de riqueza e até controlando setores econômicos”.
Nesse aspecto, o Brasil se destacou. Foi o país com a maior proporção de entrevistados que defendeu um papel mais ativo do governo “na regulação dos negócios do país” e o quinto com maior apoio à ideia de que o governo “controle diretamente as principais indústrias do país”.
Clique Leia também na BBC Brasil: No Brasil, 64% querem maior controle do governo na economia
Satisfação com o sistema
Os entrevistados brasileiros – 835, em nove capitais – expressaram mais ceticismo em relação ao livre mercado que entrevistados de outros países.
Embora 43% tenham dito que os problemas do sistema podem ser resolvidos através de reformas, Kull considerou “impressionante” que 35% tenham expressado que “um novo sistema econômico” é preciso.
Clique Fórum: O governo deve ter mais influência nas indústrias e negócios no Brasil?
Foi o terceiro maior percentual dado a esta resposta, atrás apenas do verificado na França (43%) e no México (38%).
Entre os mexicanos, apenas 2% dos entrevistados consideraram que mais regulação tornaria o capitalismo menos eficiente, contra 8% dos brasileiros.
Na própria Rússia, comunista até 1991, a visão de que “precisamos de um novo sistema econômico” recebeu menos preferência (23%).
A opinião prevalente entre os russos é a de que o livre mercado tem “alguns problemas que podem ser resolvidos com mais regulação” (43%). Já 12% acham que mais intervenção “tornaria o sistema menos eficiente”.
O país que mais apóia o livre mercado foram os Estados Unidos (25%). Ainda assim, mais da metade dos cerca de mil americanos entrevistados (53%) disseram que o sistema tem “alguns problemas” e precisa de mudanças. Outros 13% dos americanos advogaram um sistema diferente.
O apoio ao capitalismo também foi relativamente alto no Paquistão, onde 21% disseram que mais amarras o tornariam menos eficiente, e na República Tcheca, onde essa resposta recebeu 19% dos votos.
Governo na economia
A pesquisa não perguntou que sistema seria considerado pelos entrevistados como uma alternativa ao capitalismo de livre mercado.
Mas quis saber deles o que pensavam da atuação do governo na “distribuição de riquezas”, na “regulação dos negócios” e no controle direto das “principais indústrias” de seu país.
No Chile, no México e no Brasil, em torno de 90% dos entrevistados responderam que o governo deveria ter um papel maior na distribuição de riquezas de um país, o maior apoio de uma região por este objetivo.
No Brasil e no Chile, houve grande apoio à ideia de que o governo deveria “regular mais os negócios de um país” (Brasil, 87%, Chile, 84%) e até ser “dono ou controlar diretamente as principais indústrias do país” (Chile, 72%, Brasil, 64%).
“A América Latina está mais à esquerda em relação a outras partes do mundo, e o Brasil se destaca nisto”, disse Kull.
“Nos países europeus houve grande apoio a uma maior participação do governo na economia, mas quando se usa o termo 'controlar' o apoio cai. Isso não se aplica à América Latina, onde essa não é uma ‘palavra proibida’”, comparou.
Só na Rússia (77%) e na Ucrânia (75%) houve maior preferência a que o governo detenha ou controle as principais indústrias do país.
Um país que chamou a atenção dos pesquisadores foi a China, onde 58% crêem que o livre mercado “tem alguns problemas, que podem ser resolvidos com regulação”.
Entre os chineses, 71% disseram que o governo deveria fazer mais para distribuir riqueza no país, mesmo percentual dos que defenderam uma maior regulação nos negócios. Outros 52% opinaram que o governo deveria ter mais papel no controle direto das principais indústrias do país.
Para Steven Kull, esta opinião se deve ao desejo dos chineses de ver o governo agir para contrabalançar os efeitos da abertura econômica que o país tem experimentado nas últimas décadas e, em especial, nos últimos dez anos.
“Na última década, as coisas se tornaram menos estáveis e menos previsíveis para os chineses, ainda que a economia esteja crescendo e eles estejam mais ricos”, disse.
“Existe um problema em relação ao acesso à saúde e ao desemprego, e eles querem que o governo assuma os mesmos compromissos que assumiu no passado, de garantir o acesso dos cidadãos a serviços básicos.”
Fonte: BBC BRASIL
29 outubro 2009
Resistência: Asterix completa 50 anos em plena forma
Asterix, o pequeno guerreiro gaulês que conquistou várias gerações de leitores, celebra seu 50º aniversário na quinta-feira, 29 de outubro, com o lançamento de um novo livro, o de número 34 da série, prova de que continua resistindo à passagem dos anos.
Tudo começou em agosto de 1959 em um edifício de Bobigny, subúrbio do leste de Paris. René Goscinny e Albert Uderzo trocavam ideias sobre novos personagens para uma revista de quadrinhos que seria lançada em outubro.
E a ideia finalmente surgiu: dois gauleses, um baixinho e outro gordo. Em duas horas, Uderzo desenhou os primeiros esboços dos principais personagens: Abracurcix, o chefe da aldeia, Panoramix, o druida, Chatotorix, o bardo, e Ideiafix, o cão. Dois meses depois, Asterix e Obelix apareciam pela primeira vez no número um da revista Pilote.
Passados dois anos, chegou às lojas o primeiro livros de Asterix, com uma tiragem de 6.000 exemplares. O sucesso foi imediato. Asterix e seus gauleses passaram a fazer parte da vida dos franceses. Em setembro de 1966, a revista L'Express estampou em sua capa o que chamou de "o fenômeno Asterix".
Goscinny, filho de uma família judia de origem polonesa, e Uderzo, filho de imigrantes italianos, criaram uma mitologia francesa. Na França dos anos 60, Asterix se transformou em um símbolo do orgulho recuperado, do pequeno que se recusa a capitular e resiste ao poder dos maiores.
Na época, eram publicados um ou dois livros por ano. Rapidamente, a série se popularizou para além do universo infantil, criando uma legião de fãs entre jovens e adultos. Foi a época dos primeiros desenhos animados. A partir de 1967, a primeira edição de cada livro começou a ultrapassar um milhão de exemplares.
O mais surpreendente, no entanto, foi que a história fez tanto sucesso na França quanto fora dela: em 50 anos, foram vendidos em todo o mundo mais de 325 milhões de exemplares das aventuras de Asterix, e a série já foi traduzida para 107 idiomas.
Este êxito fenomenal quase terminou em novembro de 1977, quando René Goscinny, o genial roteirista que encarnava o "espírito" de Asterix faleceu subitamente. Albert Uderzo, no entanto, decidiu continuar a série sozinho e lançou mais dez títulos em 30 anos.
No final dos anos 90, o cinema fez reviver a célebre dupla de gauleses com três longa-metragens, que juntos tiveram mais de 60 milhões de espectadores. O sucesso de Asterix desperta ambições, e houve muitas propostas para retomar a série. No fim de 2008, Uderzo decidiu vender à Hachette Livres a editora Albert René, criada por ele em 1979.
Asterix, então, passou dos quadrinhos aos tribunais, quando o desenhista foi acionado por sua única filha, Sylvie Uderzo, que reclamou das condições da venda. Ao vender sua editora à Hachette, Albert Uderzo, hoje com 82 anos de idade, aceitou que as aventuras de Asterix continuem depois de sua morte.
Para isso, encarregou oficialmente os desenhistas Fréderic e Thierry Mébarki, que trabalham com ele há anos. Resta encontrar um roteirista que aceite o desafio de criar novas histórias para os irredutíveis gauleses.
Fonte: Vermelho
25 outubro 2009
Cutrale, símbolo do agronegócio internacionalizado
Empresa representa o processo de concentração de terras, produção e capital ensejado pelo modelo de subordinação da agricultura brasileira
Por: Ariovaldo Umbelino, no brasildefato
O episodio da ocupação pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de uma das fazendas “invadidas” pela empresa Cutrale, de terras públicas da União na região de Iaras (SP), suscitou todo tipo de especulações na imprensa e, sobretudo, motivou os parlamentares ruralistas a pedirem uma nova CPI do MST e da reforma agrária.
Sobre o caso, ficou evidente a manipulação da mídia ao veicular a cena da derrubada de pés de laranja pelas famílias. Reprisado insistentemente em todos os programas, por todos os canais de televisão, foi o suficiente para demonizar todas aquelas pobres famílias que estão há mais de cinco anos debaixo de lonas pretas esperando o direito de trabalhar na terra.
Vandalismo!
A chamada “grande” imprensa não quis continuar pesquisando as outras denúncias de depredação de máquinas e “roubos” de casas de empregados, pois ficou evidente o circo armado pelo serviço de inteligência da Polícia Militar (PM), em conluio com a empresa, para criar um clima desfavorável às famílias. Logo, todas as autoridades, colunistas, políticos e assemelhados foram para a mídia esbravejar: vandalismo, vandalismo! Sem pensar e se perguntar quem teria feito de fato aquilo.
As famílias negam que tenham furtado qualquer objeto e destruído tratores. Aliás, para destruir tratores, precisariam, convenhamos, de uma certa dose de força bruta. E mais. Por que não se fez uma investigação? Uma simples perícia iria identificar que aqueles tratores estavam desmontados há muito tempo pela oficina de reparos da empresa, existente na fazenda.
Mas tudo isso é manobra dispersiva. Primeiro, para esconder que na região há 200 mil hectares de terras da União que vêm sendo sistematicamente griladas. E griladas por empresas cujos donos circulam por altas rodas da socialite paulistana. Mas mesmo assim o Incra já recuperou mais de 20 mil hectares que hoje assentam famílias de trabalhadores. Segundo, para esconder que a Cutrale “comprou” a área há apenas 5 anos, sabendo que não havia titulação, que havia um processo na Justiça por reintegração de posse pelo Incra. Por que então a Cutrale apostou em comprar terras baratas e griladas e enchê-las de laranja? Graças a seu poder de influência na sociedade brasileira e paulista.
A Cutrale é o símbolo do processo de concentração de terras, produção e capital ensejado por esse modelo de subordinação da agricultura brasileira aos interesses do capital internacional.
Omissão
Ninguém da “grande” imprensa noticiou que a Cutrale possui nada menos do que 30 fazendas em São Paulo e Minas Gerais, totalizando 53.207 hectares. E que, destes, seis fazendas com 8.011 hectares são classificadas pelo Incra, no recente cadastro de 2003, como improdutivas; portanto, passíveis de desapropriação. Entre as 30 fazendas não consta a área grilada de Iaras, pois não é de sua propriedade (veja tabela abaixo).
Uma colunista teve coragem de noticiar os vínculos partidários e as polpudas verbas gastas pela empresa nas campanhas eleitorais, em apoio a todos os partidos.
O fato é que a Cutrale é símbolo desse modelo de agronegócio subordinado ao capital internacional. Uma empresa de origem familiar do interior de São Paulo se vincula ao mercado externo, se associa com a Coca-Cola e passa a controlar, em poucos anos, a maior parte do mercado de laranja do Brasil e 30% de todo o mercado mundial de sucos. Hoje, cerca de 90% do suco produzido no Brasil é exportado.
Monopólio
Em poucos anos, o setor se transformou, de muitas e médias agroindústrias e de milhares de pequenos e médios produtores de laranja, num setor altamente oligopolizado. Hoje são apenas quatro grupos que controlam toda laranja: Cutrale (mais ou menos 60%); Citrosuco; Louis Dreifus Commodities – LDC (francesa); e Citrovita, da Votorantim.
A Cutrale tem esse poder todo porque possui uma empresa associada (joint venture) à Coca-Cola mundial nos EUA, de quem é fornecedora exclusiva em escala mundial. Por isso sua condição de empresa “Ltda.”, pois já é parte (menor) do monopólio mundial da Coca-Cola.
Numa reportagem de 2003, a insuspeita revista Veja denunciou a empresa Cutrale de ter subsidiária nas ilhas Cayman, como forma de aumentar seus lucros, ou quem sabe de evasão fiscal... e saiba Deus mais o quê.
Exploração
Essas empresas passaram a comprar terras e assim garantem uma base da produção de laranja suficiente para impor preços e condições draconianas aos pequenos e médios agricultores que antes produziam laranja para um mercado concorrencial. Os trabalhadores dos laranjais são superexplorados com salários ridículos, pagos por produção, sem nenhum direito trabalhista.
O resultado de todo esse processo foi que milhares de pequenos e médios agricultores tiveram que abandonar a produção de laranja. Entre 1996 e 2006, foram destruídos, segundo o Censo Agropecuário do IBGE, somente em São Paulo, nada menos do que 280 mil hectares de laranjais.
Mas a Globo não fez nenhuma reportagem. Nem o serviço de inteligência da PM de São Paulo se preocupou em filmar porque os pequenos e médios agricultores estavam destruindo seus laranjais!
Os parlamentares ruralistas realmente não têm consciência de sua classe – da burguesia rural. Em vez de defendê-la, ficam sempre puxando o saco da burguesia internacional. Razão tinha mesmo o nosso saudoso Florestan Fernandes: faltou-nos uma revolução burguesa nesse país, que pelo menos lhe desse sentido de classe e consciência de nação.
LEVANTAMENTOS DE ÁREAS DA CUTRALE
Ariovaldo Umbelino de Oliveira é doutor em Geografia, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Departamento de Geografia Humana – da Universidade de São Paulo (USP). É estudioso dos movimentos sociais do campo e da agricultura brasileira e autor de vários livros.
Por: Ariovaldo Umbelino, no brasildefato
O episodio da ocupação pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de uma das fazendas “invadidas” pela empresa Cutrale, de terras públicas da União na região de Iaras (SP), suscitou todo tipo de especulações na imprensa e, sobretudo, motivou os parlamentares ruralistas a pedirem uma nova CPI do MST e da reforma agrária.
Sobre o caso, ficou evidente a manipulação da mídia ao veicular a cena da derrubada de pés de laranja pelas famílias. Reprisado insistentemente em todos os programas, por todos os canais de televisão, foi o suficiente para demonizar todas aquelas pobres famílias que estão há mais de cinco anos debaixo de lonas pretas esperando o direito de trabalhar na terra.
Vandalismo!
A chamada “grande” imprensa não quis continuar pesquisando as outras denúncias de depredação de máquinas e “roubos” de casas de empregados, pois ficou evidente o circo armado pelo serviço de inteligência da Polícia Militar (PM), em conluio com a empresa, para criar um clima desfavorável às famílias. Logo, todas as autoridades, colunistas, políticos e assemelhados foram para a mídia esbravejar: vandalismo, vandalismo! Sem pensar e se perguntar quem teria feito de fato aquilo.
As famílias negam que tenham furtado qualquer objeto e destruído tratores. Aliás, para destruir tratores, precisariam, convenhamos, de uma certa dose de força bruta. E mais. Por que não se fez uma investigação? Uma simples perícia iria identificar que aqueles tratores estavam desmontados há muito tempo pela oficina de reparos da empresa, existente na fazenda.
Mas tudo isso é manobra dispersiva. Primeiro, para esconder que na região há 200 mil hectares de terras da União que vêm sendo sistematicamente griladas. E griladas por empresas cujos donos circulam por altas rodas da socialite paulistana. Mas mesmo assim o Incra já recuperou mais de 20 mil hectares que hoje assentam famílias de trabalhadores. Segundo, para esconder que a Cutrale “comprou” a área há apenas 5 anos, sabendo que não havia titulação, que havia um processo na Justiça por reintegração de posse pelo Incra. Por que então a Cutrale apostou em comprar terras baratas e griladas e enchê-las de laranja? Graças a seu poder de influência na sociedade brasileira e paulista.
A Cutrale é o símbolo do processo de concentração de terras, produção e capital ensejado por esse modelo de subordinação da agricultura brasileira aos interesses do capital internacional.
Omissão
Ninguém da “grande” imprensa noticiou que a Cutrale possui nada menos do que 30 fazendas em São Paulo e Minas Gerais, totalizando 53.207 hectares. E que, destes, seis fazendas com 8.011 hectares são classificadas pelo Incra, no recente cadastro de 2003, como improdutivas; portanto, passíveis de desapropriação. Entre as 30 fazendas não consta a área grilada de Iaras, pois não é de sua propriedade (veja tabela abaixo).
Uma colunista teve coragem de noticiar os vínculos partidários e as polpudas verbas gastas pela empresa nas campanhas eleitorais, em apoio a todos os partidos.
O fato é que a Cutrale é símbolo desse modelo de agronegócio subordinado ao capital internacional. Uma empresa de origem familiar do interior de São Paulo se vincula ao mercado externo, se associa com a Coca-Cola e passa a controlar, em poucos anos, a maior parte do mercado de laranja do Brasil e 30% de todo o mercado mundial de sucos. Hoje, cerca de 90% do suco produzido no Brasil é exportado.
Monopólio
Em poucos anos, o setor se transformou, de muitas e médias agroindústrias e de milhares de pequenos e médios produtores de laranja, num setor altamente oligopolizado. Hoje são apenas quatro grupos que controlam toda laranja: Cutrale (mais ou menos 60%); Citrosuco; Louis Dreifus Commodities – LDC (francesa); e Citrovita, da Votorantim.
A Cutrale tem esse poder todo porque possui uma empresa associada (joint venture) à Coca-Cola mundial nos EUA, de quem é fornecedora exclusiva em escala mundial. Por isso sua condição de empresa “Ltda.”, pois já é parte (menor) do monopólio mundial da Coca-Cola.
Numa reportagem de 2003, a insuspeita revista Veja denunciou a empresa Cutrale de ter subsidiária nas ilhas Cayman, como forma de aumentar seus lucros, ou quem sabe de evasão fiscal... e saiba Deus mais o quê.
Exploração
Essas empresas passaram a comprar terras e assim garantem uma base da produção de laranja suficiente para impor preços e condições draconianas aos pequenos e médios agricultores que antes produziam laranja para um mercado concorrencial. Os trabalhadores dos laranjais são superexplorados com salários ridículos, pagos por produção, sem nenhum direito trabalhista.
O resultado de todo esse processo foi que milhares de pequenos e médios agricultores tiveram que abandonar a produção de laranja. Entre 1996 e 2006, foram destruídos, segundo o Censo Agropecuário do IBGE, somente em São Paulo, nada menos do que 280 mil hectares de laranjais.
Mas a Globo não fez nenhuma reportagem. Nem o serviço de inteligência da PM de São Paulo se preocupou em filmar porque os pequenos e médios agricultores estavam destruindo seus laranjais!
Os parlamentares ruralistas realmente não têm consciência de sua classe – da burguesia rural. Em vez de defendê-la, ficam sempre puxando o saco da burguesia internacional. Razão tinha mesmo o nosso saudoso Florestan Fernandes: faltou-nos uma revolução burguesa nesse país, que pelo menos lhe desse sentido de classe e consciência de nação.
LEVANTAMENTOS DE ÁREAS DA CUTRALE
Ariovaldo Umbelino de Oliveira é doutor em Geografia, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – Departamento de Geografia Humana – da Universidade de São Paulo (USP). É estudioso dos movimentos sociais do campo e da agricultura brasileira e autor de vários livros.
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Concentração Fundiária,
Geografia,
MST,
Questão Agrária
24 outubro 2009
Manifesto em defesa do MST
O Manifesto abaixo, assinado por várias personalidades acadêmicas, artísticas e políticas do Brasil e de vários outros países vem em defesa do MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que se encontra sob fogo cerrado da mídia golpista brasileira e dos setores conservadores do Congresso Nacional, representantes da “bancada ruralista”, do latifúndio e do capital financeiro rentista. Segundo o documento "Há um objetivo preciso nos ataques ao MST: impedir a revisão dos índices de produtividade agrícola - cuja versão em vigor tem como base o censo agropecuário de 1975 - e viabilizar uma CPI sobre o movimento. Com tal postura, o foco do debate agrário é deslocado dos responsáveis pela desigualdade e concentração para criminalizar os que lutam pelo direito do povo".
Contra a violência do agronegócio e a criminalização das lutas sociais
As grandes redes de televisão repetiram à exaustão, há algumas semanas, imagens da ocupação realizada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em terras que seriam de propriedade do Sucocítrico Cutrale, no interior de São Paulo. A mídia foi taxativa em classificar a derrubada de alguns pés de laranja como ato de vandalismo.
Uma informação essencial, no entanto, foi omitida: a de que a titularidade das terras da empresa é contestada pelo Incra e pela Justiça. Trata-se de uma grande área chamada Núcleo Monções, que possui cerca de 30 mil hectares. Desses 30 mil hectares, 10 mil são terras públicas reconhecidas oficialmente como devolutas e 15 mil são terras improdutivas. Ao mesmo tempo, não há nenhuma prova de que a suposta destruição de máquinas e equipamentos tenha sido obra dos sem-terra.
Na ótica dos setores dominantes, pés de laranja arrancados em protesto representam uma imagem mais chocante do que as famílias que vivem em acampamentos precários desejando produzir alimentos.
Bloquear a reforma agrária
Há um objetivo preciso nisso tudo: impedir a revisão dos índices de produtividade agrícola - cuja versão em vigor tem como base o censo agropecuário de 1975 - e viabilizar uma CPI sobre o MST. Com tal postura, o foco do debate agrário é deslocado dos responsáveis pela desigualdade e concentração para criminalizar os que lutam pelo direito do povo. A revisão dos índices evidenciaria que, apesar de todo o avanço técnico, boa parte das grandes propriedades não é tão produtiva quanto seus donos alegam e estaria, assim, disponível para a reforma agrária.
Para mascarar tal fato, está em curso um grande operativo político das classes dominantes objetivando golpear o principal movimento social brasileiro, o MST. Deste modo, prepara-se o terreno para mais uma ofensiva contra os direitos sociais da maioria da população brasileira.
O pesado operativo midiático-empresarial visa isolar e criminalizar o movimento social e enfraquecer suas bases de apoio. Sem resistências, as corporações agrícolas tentam bloquear, ainda mais severamente, a reforma agrária e impor um modelo agroexportador predatório em termos sociais e ambientais, como única alternativa para a agropecuária brasileira.
Concentração fundiária
A concentração fundiária no Brasil aumentou nos últimos dez anos, conforme o Censo Agrário do IBGE. A área ocupada pelos estabelecimentos rurais maiores do que mil hectares concentra mais de 43% do espaço total, enquanto as propriedades com menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7%. As pequenas propriedades estão definhando enquanto crescem as fronteiras agrícolas do agronegócio.
Conforme a Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2009) os conflitos agrários do primeiro semestre deste ano seguem marcando uma situação de extrema violência contra os trabalhadores rurais. Entre janeiro e julho de 2009 foram registrados 366 conflitos, que afetaram diretamente 193.174 pessoas, ocorrendo um assassinato a cada 30 conflitos no 1º semestre de 2009. Ao todo, foram 12 assassinatos, 44 tentativas de homicídio, 22 ameaças de morte e 6 pessoas torturadas no primeiro semestre deste ano.
Não violência
A estratégia de luta do MST sempre se caracterizou pela não violência, ainda que em um ambiente de extrema agressividade por parte dos agentes do Estado e das milícias e jagunços a serviço das corporações e do latifúndio. As ocupações objetivam pressionar os governos a realizar a reforma agrária.
É preciso uma agricultura socialmente justa, ecológica, capaz de assegurar a soberania alimentar e baseada na livre cooperação de pequenos agricultores. Isso só será conquistado com movimentos sociais fortes, apoiados pela maioria da população brasileira.
Contra a criminalização das lutas sociais
Convocamos todos os movimentos e setores comprometidos com as lutas a se engajarem em um amplo movimento contra a criminalização das lutas sociais, realizando atos e manifestações políticas que demarquem o repúdio à criminalização do MST e de todas as lutas no Brasil.
Assinam esse documento:
De vários países:
Eduardo Galeano – Uruguai
István Mészáros – Inglaterra
Ana Esther Ceceña – México
Boaventura de Souza Santos – Portugal
Daniel Bensaid – França
Isabel Monal – Cuba
Michael Lowy – França
Claudia Korol – Argentina
Carlos Juliá – Argentina
Miguel Urbano Rodrigues - Portugal
Ignacio Ramonet – Espanha
Julio Gambina – Argentina
Fernando Martinez Heredia – Cuba
Carlos Aguilar - Costa Rica
Ricardo Gimenez - Chile
Pedro Franco - República Dominicana
Arturo Bonilla Sánchez - México
do Brasil:
Antonio Candido
Ana Clara Ribeiro
Anita Leocadia Prestes
Andressa Caldas
André Vianna Dantas
André Campos Búrigo
Augusto César
Carlos Nelson Coutinho
Carlos Walter Porto-Gonçalves
Carlos Alberto Duarte
Carlos A. Barão
Cátia Guimarães
Cecília Rebouças Coimbra
Ciro Correia
Chico Alencar
Claudia Trindade
Claudia Santiago
Chico de Oliveira
Demian Bezerra de Melo
Emir Sader
Elias Santos
Eurelino Coelho
Eleuterio Prado
Fernando Vieira Velloso
Gaudêncio Frigotto
Gilberto Maringoni
Gilcilene Barão
Irene Seigle
Ivana Jinkings
Ivan Pinheiro
José Paulo Netto
Leandro Konder
Luis Fernando Veríssimo
Luiz Bassegio
Luis Acosta
Luisa Santiago
Lucia Maria Wanderley Neves
Marcelo Badaró Mattos
Marcelo Freixo
Maria Rita Kehl
Marilda Iamamoto
Mariléa Venancio Porfirio
Mauro Luis Iasi
Maurício Vieira Martins
Otília Fiori Arantes
Paulo Arantes
Paulo Nakatani
Plínio de Arruda Sampaio
Plínio de Arruda Sampaio Filho
Renake Neves
Reinaldo A. Carcanholo
Ricardo Antunes
Ricardo Gilberto Lyrio Teixeira
Roberto Leher
Roberto Schwarz
Sara Granemann
Sandra Carvalho
Sergio Romagnolo
Sheila Jacob
Virgínia Fontes
Vito Giannotti
Para subscrever esse manifesto, clique no link abaixo:
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23 outubro 2009
PCdoB: Comitê Central debate caminho brasileiro para o socialismo
Por: José Carlos Ruy, no Vermelho
A última reunião o Comitê Central antes da plenária final do 12° Congresso do Partido Comunista do Brasil teve início, nesta sexta-feira (23), com o debate da proposta de um Programa Socialista para o Brasil, cuja versão final foi apresentada por Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, para ser submetida à deliberação pela direção comunista.
Estava pautado também o debate e a aprovação do projeto de Resolução Política ao 12º Congresso do PCdoB sobre a Situação Conjuntural do Brasil, o projeto de Resolução Política sobre a Situação Internacional, o Balanço do Trabalho de Direção do PCdoB 2005-2009, a proposta de Regimento Interno do 12º Congresso, além da apresentação do balanço da mobilização partidária ao 12º Congresso.
Na apresentação do Projeto de Programa Socialista para o Brasil, abrindo os trabalhos, Renato Rabelo ressaltou o esforço de síntese feito para produzir um documento mais enxuto, preciso e, por isso, que possa conquistar um maior número de leitores e, ao mesmo tempo, apresentar as teses ali defendidas com mais nitidez e clareza.
Ele chamou a atenção para alguns pontos. Primeiro, ressaltou que, ao tratar do Brasil, o Projeto enfrenta algumas opiniões negativistas sobre a história e a construção de nosso país, que existem mesmo no campo progressista.
Lembrou os dois ciclos de avanço civilizatório já vividos pelo país - o primeiro incluindo a formação do povo, da Nação e do Estado, e o segundo marcado pelo nacional desenvolvimentismo inaugurado pela revolução de 1930, com o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores, e com o progresso educacional e cultural. Mas cujos resultados são avaliados negativamente por análises controversas que ressaltam os problemas - entre eles a escravidão e o massacre das lutas pela liberdade - e esquecem o resultado positivo e grandioso da formação de um povo novo e uno, com uma cultura nova e uma civilização própria.
O segundo ciclo esgotou-se, lembra Renato. E a eleição de Luis Inácio Lula da Silva, em 2002, abriu uma nova etapa em nossa história, abrindo a perspectiva de um terceiro ciclo, um novo horizonte em cujo limiar o país se encontra.
Essa perspectiva resulta do desenvolvimento político do país e aponta para o início da transição para uma nova sociedade, a sociedade socialista. Mas isto ainda não basta, advertiu Renato. O projeto de Programa Socialista precisa apontar a transição, o caminho a ser trilhado para que se alcance este objetivo estratégico. Este caminho é o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, que o projeto de Programa Socialista denomina, muito corretamente, de "caminho brasileiro para o socialismo". E que precisa também ser apresentado de forma concreta, contemplando por exemplo as formas de financiar o desenvolvimento, parte que foi acrescida ao texto proposto à aprovação do Comitê Central.
Questões controversas
O debate travado no Partido sobre o projeto de Programa Socialista mostrou um amplo apoio às idéias ali apresentadas, destacou Renato. E ele destacou algumas teses que tiveram ampla repercussão. Uma delas é a da correlação entre o terceiro salto civilizacional e a transição para o socialismo. É um programa que "se encaixa no processo histórico brasileiro" e dá "concretude ao projeto estratégico" brasileiro, que é a conquista de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento e que, nestas condições, "está no nível da política atual". Não é portanto uma proposta abstrata. Outra tese de ampla aceitação foi a centralidade da questão nacional uma vez que um projeto dessa natureza não se desenvolve fora do contexto nacional. Sua característica é essencialmente antiimperialista e ele envolve toda a nação, exceto a parcela aliada aos interesses imperialistas. Além disso cresceu a ideia da busca de um socialismo brasileiro, consagrando a idéia de que não há um caminho único para a nova sociedade, e indicando a necessidade de construção desse caminho próprio, nacional.
Mas há também um conjunto de outras questões que Renato Rabelo considerou como controversas entre os comunistas. Uma delas é a tese do povo uno, novo e singular. Há povo negro, como muitos defendem? Não, pensa ele: há povo brasileiro, resultado de um processo histórico secular que amalgamou origens humanas americanas, africanas, européias e, mais tarde, asiáticas; há também micro etnias indígenas.
O essencial, pensa ele, é o reconhecimento de que os brasileiros formam um povo novo e uno. É preciso reconhecer que há tensões no meio do povo e que é preciso avançar em sua resolução pois não pode "haver nação forte com povo de deserdados".
Programa revolucionário e classista
Além disso há um questionamento do caráter revolucionário e classista do programa. Renato não tem dúvida a respeito: o programa é revolucionário e classista. Ele ressalta a questão da transição, que é o objetivo estratégico maior. E o ponto de partido para alcançá-la é a conquista do poder político estatal pelos trabalhadores da cidade e do campo, aliados às massas populares urbanas e rurais, às camadas médias, à intelectualidade progressista, aos empresários pequenos e médios e àqueles que se dedicam à produção e defendem a soberania da Nação. O Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento precisa representar um avanço em relação ao que já foi alcançado desde a posse de Lula, em 2003. Ele é o caminho, a transição, processo que não será feito com reformas parciais, mas reformas profundas que levam a rupturas. É um processo de acumulação de forças, que se faz com rupturas profundas. ele envolve a superação da fase rentista sendo, assim, uma forma de valorizar o trabalho e a renda dos trabalhadores ao apontar para a superação da defasagem hoje existente entre a renda do trabalho e a renda do capital. O Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, lembrou Renato, tem essência anti-imperialista, antilatifundiária e antioligarquia financeira e seu objetivo é superar a fase neoliberal e a culminância do capital rentista e parasitário.
Outro tema lembrado por Renato Rabelo, e que ainda causa divergências entre os comunistas diz respeito à definição de proletariado. O que interessa, diz ele, é o conteúdo das formulações e, nesse sentido, lembrou que toda classe tem diferenciações em seu interior - e a classe trabalhadora também tem, da mesma forma, por exemplo, que a burguesia está dividida em frações de classe.
Ele se referiu também à questão ambiental. Não se pode destruir o planeta, ressaltou. Entretanto, a partir desta constatação, os países ricos - cujo desenvolvimento foi responsável por graves agressões contra o meio ambiente - lembrando que, hoje, eles tentam impor a mesma divisão internacional do trabalho que os beneficie e coloca no centro da economia e do poder mundial, e que representa uma enorme desvantagem para os países pobres.
Finalmente, Renato Rabelo enfrentou o argumento que adverte para o risco de "eurocomunismo" representado pelas mudanças que o Partido vive nos dias atuais. O eurocomunismo, disse, colocou a questão e a luta institucional em primeiro plano, sendo uma experiência européia que levou à liquidação do partido. Mas, ressaltou, os riscos de liquidação existem pela direita e pela esquerda. Se houve o eurocomunismo, houve também a experiência do Partido do Trabalho da Albânia, que também fracassou. No caso brasileiro, disse, o erro que cometemos não foi o de enfatizar a questão institucional, mas o contrário.
Cometemos o erro de, durante 15 anos, participar apenas parcialmente da batalha eleitoral, indicando poucos candidatos somente nas eleições proporcionais, e praticamente escondendo a legenda do Partido. E a participação comunista em governos e parlamentos é ainda pequena. A audácia de nossos tempos visa ganhar o tempo perdido, disse. Além disso, lembrou que o Partido defende uma reforma política com ênfase nos partidos e em seus programas e não nos candidatos, que é a única maneira de fortalecer as agremiações. Ressaltou, além disso, que o partido não atua apenas na esfera institucional, mas em três frente, de forma articulada: as frentes institucional, social e na luta de idéias.
Na abertura da 14° Reunião do Comitê Central, Renato Rabelo apresentou a proposta do Programa Socialista para o Brasil
A última reunião o Comitê Central antes da plenária final do 12° Congresso do Partido Comunista do Brasil teve início, nesta sexta-feira (23), com o debate da proposta de um Programa Socialista para o Brasil, cuja versão final foi apresentada por Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, para ser submetida à deliberação pela direção comunista.
Estava pautado também o debate e a aprovação do projeto de Resolução Política ao 12º Congresso do PCdoB sobre a Situação Conjuntural do Brasil, o projeto de Resolução Política sobre a Situação Internacional, o Balanço do Trabalho de Direção do PCdoB 2005-2009, a proposta de Regimento Interno do 12º Congresso, além da apresentação do balanço da mobilização partidária ao 12º Congresso.
Na apresentação do Projeto de Programa Socialista para o Brasil, abrindo os trabalhos, Renato Rabelo ressaltou o esforço de síntese feito para produzir um documento mais enxuto, preciso e, por isso, que possa conquistar um maior número de leitores e, ao mesmo tempo, apresentar as teses ali defendidas com mais nitidez e clareza.
Ele chamou a atenção para alguns pontos. Primeiro, ressaltou que, ao tratar do Brasil, o Projeto enfrenta algumas opiniões negativistas sobre a história e a construção de nosso país, que existem mesmo no campo progressista.
Lembrou os dois ciclos de avanço civilizatório já vividos pelo país - o primeiro incluindo a formação do povo, da Nação e do Estado, e o segundo marcado pelo nacional desenvolvimentismo inaugurado pela revolução de 1930, com o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores, e com o progresso educacional e cultural. Mas cujos resultados são avaliados negativamente por análises controversas que ressaltam os problemas - entre eles a escravidão e o massacre das lutas pela liberdade - e esquecem o resultado positivo e grandioso da formação de um povo novo e uno, com uma cultura nova e uma civilização própria.
O segundo ciclo esgotou-se, lembra Renato. E a eleição de Luis Inácio Lula da Silva, em 2002, abriu uma nova etapa em nossa história, abrindo a perspectiva de um terceiro ciclo, um novo horizonte em cujo limiar o país se encontra.
Essa perspectiva resulta do desenvolvimento político do país e aponta para o início da transição para uma nova sociedade, a sociedade socialista. Mas isto ainda não basta, advertiu Renato. O projeto de Programa Socialista precisa apontar a transição, o caminho a ser trilhado para que se alcance este objetivo estratégico. Este caminho é o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, que o projeto de Programa Socialista denomina, muito corretamente, de "caminho brasileiro para o socialismo". E que precisa também ser apresentado de forma concreta, contemplando por exemplo as formas de financiar o desenvolvimento, parte que foi acrescida ao texto proposto à aprovação do Comitê Central.
Questões controversas
O debate travado no Partido sobre o projeto de Programa Socialista mostrou um amplo apoio às idéias ali apresentadas, destacou Renato. E ele destacou algumas teses que tiveram ampla repercussão. Uma delas é a da correlação entre o terceiro salto civilizacional e a transição para o socialismo. É um programa que "se encaixa no processo histórico brasileiro" e dá "concretude ao projeto estratégico" brasileiro, que é a conquista de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento e que, nestas condições, "está no nível da política atual". Não é portanto uma proposta abstrata. Outra tese de ampla aceitação foi a centralidade da questão nacional uma vez que um projeto dessa natureza não se desenvolve fora do contexto nacional. Sua característica é essencialmente antiimperialista e ele envolve toda a nação, exceto a parcela aliada aos interesses imperialistas. Além disso cresceu a ideia da busca de um socialismo brasileiro, consagrando a idéia de que não há um caminho único para a nova sociedade, e indicando a necessidade de construção desse caminho próprio, nacional.
Mas há também um conjunto de outras questões que Renato Rabelo considerou como controversas entre os comunistas. Uma delas é a tese do povo uno, novo e singular. Há povo negro, como muitos defendem? Não, pensa ele: há povo brasileiro, resultado de um processo histórico secular que amalgamou origens humanas americanas, africanas, européias e, mais tarde, asiáticas; há também micro etnias indígenas.
O essencial, pensa ele, é o reconhecimento de que os brasileiros formam um povo novo e uno. É preciso reconhecer que há tensões no meio do povo e que é preciso avançar em sua resolução pois não pode "haver nação forte com povo de deserdados".
Programa revolucionário e classista
Além disso há um questionamento do caráter revolucionário e classista do programa. Renato não tem dúvida a respeito: o programa é revolucionário e classista. Ele ressalta a questão da transição, que é o objetivo estratégico maior. E o ponto de partido para alcançá-la é a conquista do poder político estatal pelos trabalhadores da cidade e do campo, aliados às massas populares urbanas e rurais, às camadas médias, à intelectualidade progressista, aos empresários pequenos e médios e àqueles que se dedicam à produção e defendem a soberania da Nação. O Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento precisa representar um avanço em relação ao que já foi alcançado desde a posse de Lula, em 2003. Ele é o caminho, a transição, processo que não será feito com reformas parciais, mas reformas profundas que levam a rupturas. É um processo de acumulação de forças, que se faz com rupturas profundas. ele envolve a superação da fase rentista sendo, assim, uma forma de valorizar o trabalho e a renda dos trabalhadores ao apontar para a superação da defasagem hoje existente entre a renda do trabalho e a renda do capital. O Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, lembrou Renato, tem essência anti-imperialista, antilatifundiária e antioligarquia financeira e seu objetivo é superar a fase neoliberal e a culminância do capital rentista e parasitário.
Outro tema lembrado por Renato Rabelo, e que ainda causa divergências entre os comunistas diz respeito à definição de proletariado. O que interessa, diz ele, é o conteúdo das formulações e, nesse sentido, lembrou que toda classe tem diferenciações em seu interior - e a classe trabalhadora também tem, da mesma forma, por exemplo, que a burguesia está dividida em frações de classe.
Ele se referiu também à questão ambiental. Não se pode destruir o planeta, ressaltou. Entretanto, a partir desta constatação, os países ricos - cujo desenvolvimento foi responsável por graves agressões contra o meio ambiente - lembrando que, hoje, eles tentam impor a mesma divisão internacional do trabalho que os beneficie e coloca no centro da economia e do poder mundial, e que representa uma enorme desvantagem para os países pobres.
Finalmente, Renato Rabelo enfrentou o argumento que adverte para o risco de "eurocomunismo" representado pelas mudanças que o Partido vive nos dias atuais. O eurocomunismo, disse, colocou a questão e a luta institucional em primeiro plano, sendo uma experiência européia que levou à liquidação do partido. Mas, ressaltou, os riscos de liquidação existem pela direita e pela esquerda. Se houve o eurocomunismo, houve também a experiência do Partido do Trabalho da Albânia, que também fracassou. No caso brasileiro, disse, o erro que cometemos não foi o de enfatizar a questão institucional, mas o contrário.
Cometemos o erro de, durante 15 anos, participar apenas parcialmente da batalha eleitoral, indicando poucos candidatos somente nas eleições proporcionais, e praticamente escondendo a legenda do Partido. E a participação comunista em governos e parlamentos é ainda pequena. A audácia de nossos tempos visa ganhar o tempo perdido, disse. Além disso, lembrou que o Partido defende uma reforma política com ênfase nos partidos e em seus programas e não nos candidatos, que é a única maneira de fortalecer as agremiações. Ressaltou, além disso, que o partido não atua apenas na esfera institucional, mas em três frente, de forma articulada: as frentes institucional, social e na luta de idéias.
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Campus local da UFMT tem nova chapa eleita para o DCE
Por: Márcio Sodré, no atribunamt
A chapa “Da unidade vai nascer a novidade”, presidida pelo aluno Kleiton Conceição Teixeira, foi a vencedora nas eleições para o Diretório Central dos Estudantes (DCE) do campus local da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). A votação ocorreu nesta quarta-feira (21/10), com 1.210 votantes. A chapa vencedora obteve 673 votos e a chapa “Novos Rumos”, 526 votos. Nulos e brancos totalizaram 11 votos.
“A vitória da nossa chapa significa a vitória da unidade”, avaliou Kleiton. Conforme o líder estudantil, a boa votação obtida por eles nos cursos de licenciatura surpreendeu a todos da chapa vencedora. Ele avalia que, em relação aos dois últimos anos, o número de votantes no campus aumentou. No entanto, a abstenção voltou a chamar a atenção. O número de votantes não chega nem à metade do número de alunos matriculados.
O vice-presidente da chapa vencedora, Saulo José, externou que ficou satisfeito com a participação dos estudantes na eleição. “Com todo o respeito à chapa opositora, nós ficamos muito contentes com o resultado pelo voto de confiança dos alunos. Agora é lutar para que haja maior união entre os alunos e fazer com que a universidade, em cada decisão, esteja expressando a democracia, ouvindo os anseios dos alunos e dando um retorno à sociedade”, argumentou ele.
A posse da diretoria da chapa vencedora frente ao DCE está marcada para o dia 28 deste mês. “Contamos também com o apoio da chapa opositora. Agora é hora de todo mundo trabalhar junto… Fazer da ‘unidade nascer a novidade’”, finalizou Saulo.
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22 outubro 2009
Compras para a alimentação escolar e a promoção da agricultura familiar
Por: Renato S. Maluf, no Carta Maior
A Lei nº 11.947/2009 pode se constituir num marco na história da alimentação escolar no Brasil, desde logo, por conferir densidade institucional a um programa que, embora antigo, carecia de definições em termos de diretrizes e obrigações dos gestores e entes federados envolvidos.
Sobre esse tema, ler também: "Alimentação, escola e agricultura familiar"
Em artigo anterior, apresentei a concepção e principais diretrizes do novo formato do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), estabelecido pela recém sancionada Lei nº 11.947/2009. Abordo agora uma importante novidade introduzida pela referida lei quanto à utilização dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) a Estados e municípios para a compra de alimentos para o programa. O artigo 14 obriga que se utilize no mínimo 30% do total dos recursos na aquisição de gêneros alimentícios originados diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações.
Prioridade é conferida aos assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. Para o fornecimento de cerca de 47 milhões de refeições diárias, o FNDE previu repassar, em 2009, R$ 2 bilhões. Estima-se que o aporte adicional de Estados e municípios para a compra de alimentos chegue a 25% do total federal, isto é, mais R$ 500 milhões sobre os quais, porém, não pesa a referida obrigatoriedade.
Considerando apenas a dotação de recursos federais, a agricultura familiar passa a contar com um mercado institucional (de compras governamentais) de, pelo menos, R$ 600 milhões anuais, podendo ser maior, caso haja suplementação orçamentária no ano em curso ou as compras da agricultura familiar ultrapassem o mínimo de 30%. Nem todo esse montante representa acréscimo, já que muitos gestores municipais já compravam alimentos dessa categoria de agricultor antes da entrada em vigor da lei, muitas vezes se valendo do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA).
Desde logo, não pode ser minimizado o papel da experiência desenvolvida pelo PAA na formatação das diretrizes do PNAE, que incorporam os agricultores familiares como fornecedores. O Brasil tem se destacado pela utilização das compras governamentais para o fortalecimento da agricultura familiar. O PAA, por sua vez, tem demonstrado ser esta uma alternativa viável de operacionalização de programas governamentais e não-governamentais, inclusive fornecendo há sete anos para as escolas como complemento ao PNAE. Destaque-se, porém, não estar ainda suficientemente definida a questão da interação das compras governamentais do PNAE e do PAA. Um importante exercício da intersetorialidade propugnada pelo enfoque da segurança alimentar e nutricional que fundamenta ambos os programas seria a integração da gestão das compras de alimentos por eles realizadas.
A Lei nº 11.947/2009 prevê a dispensa da observância do percentual de 30% quando o fornecimento pela agricultura familiar se defrontar com uma das seguintes circunstâncias: i) impossibilidade de emissão do documento fiscal correspondente; ii) inviabilidade de fornecimento regular e constante dos gêneros alimentícios; ou iii) condições higiênico-sanitárias inadequadas. Esse último ponto foi objeto de intensa negociação quando da votação final da lei no Senado Federal, envolvendo gestores das três esferas de governo, entidades de agricultores, organizações e redes sociais e o CONSEA, aliás, atores bastante envolvidos na própria formulação do projeto de lei. Note-se que estiveram em confronto distintas avaliações sobre a capacidade de as várias modalidades de agricultura familiar responderem, local ou regionalmente, a essa demanda.
A questão aqui subjacente é a conversão de um limite – admitindo-se que a referida capacidade da agricultura familiar terá que ser construída em várias regiões do país – em decisão política de utilizar o potencial do instrumento das compras governamentais na promoção de um desenvolvimento não só ambientalmente sustentável como também mais equitativo, por meio do estímulo à agricultura familiar.
Os agentes responsáveis pela aquisição dos alimentos são as respectivas Secretarias de Educação, as escolas federais ou as unidades executoras por meio de delegação; porém, prevê-se o envolvimento também das Secretarias de Agricultura e de Saúde, Emater, organizações da agricultura familiar, nutricionistas, Conselhos de Alimentação Escolar, de Desenvolvimento Rural e de Segurança Alimentar e Nutricional (municipais e estaduais). Essa participação é especialmente importante no mapeamento da disponibilidade e variedade da produção local, bem como na estrutura e no porte dos possíveis fornecedores a serem cadastrados pela Secretaria de Educação. A lista dos alimentos a serem adquiridos se origina da elaboração dos cardápios de responsabilidade de um/a nutricionista.
Tratando-se de aquisição realizada com chamada pública de compra com dispensa de procedimento licitatório, a regulamentação do programa definiu procedimento com vistas a combinar a obtenção de preços compatíveis com os vigentes no mercado local e a oferta de remuneração adequada aos agricultores. Como regra geral, a pesquisa de preços deve levar em conta os preços de referência praticados no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA). Nas localidades em que não houver PAA (municipal e/ou estadual), os preços de referência para aquisições de até R$ 100.000,00/ano devem levar em conta a média dos preços pagos aos produtos da agricultura familiar por três mercados varejistas locais (privilegiando feiras de agricultores familiares) ou os preços vigentes de venda no varejo local. Para aquisições acima de R$ 100.000,00/ano, as referências podem ser a média dos preços praticados no mercado atacadista nos últimos 12 meses ou dos preços apurados em licitações de compra de alimentos, ou ainda os preços vigentes em três mercados atacadistas locais ou regionais. Por fim, os preços não poderão ser inferiores aos dos produtos cobertos pelo Programa de Garantia de Preços para Agricultura Familiar (PGPAF).
Outro aspecto importante, também objeto de discussão intensa, foi o reconhecimento da possibilidade de participação de agricultores familiares organizados tanto em grupos formais, na forma de cooperativas e associações, quanto em grupos informais, apoiados por entidades articuladoras não remuneradas e sem responsabilidade formal. Além desses grupos, participa também a categoria denominada de empreendedores familiares rurais. Em todos os casos, é requerida a declaração de aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar/PRONAF. Há um limite de compra de R$ 9.000,00 anuais por agricultor, e de até R$ 100.000,00 dos grupos informais. Uma inquietação vem sendo levantada quanto à seleção dos agricultores que participarão do programa e o risco de práticas clientelistas, remetendo à questão, não discutida aqui, do controle social sob responsabilidade dos CAEs, o qual pode receber importante contribuição dos CONSEAs estaduais e municipais.
Os grupos formais e informais e os empreendedores familiares rurais apresentam projeto de venda de gêneros para a alimentação escolar, cuja seleção pelo setor competente priorizará as propostas de grupos do município. Em não se obtendo as quantidades necessárias, estas poderão ser complementadas com propostas de grupos da região, do território rural, do estado e do país, nesta ordem de prioridade. Ressalte-se que as normas do programa sugerem ter em conta, também, a sazonalidade da produção e priorizar, sempre que possível, os gêneros alimentícios orgânicos ou agroecológicos. Além disso, o detalhamento do cardápio obriga incluir porções de frutas e hortaliças, limita conteúdos de açúcar e gorduras, proíbe bebidas com baixo teor nutricional (refrigerantes e refrescos artificiais) e restringe embutidos, enlatados e preparados.
A Lei nº 11.947/2009 pode se constituir num marco na história da alimentação escolar no Brasil, desde logo, por conferir densidade institucional a um programa que, embora antigo, carecia de definições em termos de diretrizes e obrigações dos gestores e entes federados envolvidos. O PNAE pode ser incluído entre os chamados “programas basilares” do futuro Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, previsto na Lei nº 11.346/2006. Este qualificativo se deve ao fato de ser este um programa em área-chave que, ademais, extrapola seus objetivos primeiros e estruturas específicas, sendo capaz de atuar como nucleador de ações integradas que expressam a desejada intersetorialidade da segurança alimentar e nutricional.
Por fim, cabe destacar que, desde a construção da proposta que resultou na nova lei até, principalmente, sua materialização em todos os municípios do país, o PNAE envolve um exercício nada óbvio da perspectiva do direito à alimentação e da intersetorialidade reivindicada pelo enfoque da soberania e da segurança alimentar e nutricional que vem sendo desenvolvido no Brasil. Considere-se não só a multiplicidade de atores com olhares distintos e interesses nem sempre coincidentes, como também as relações nem sempre harmoniosas entre os entes federados. No mínimo, assiste-se à criação de um elo institucional entre a escola e a atividade de ensino e a agricultura de base familiar, mediada pelos alimentos (os bens alimentares) e pela alimentação (o modo como nos apropriamos desses bens).
Renato Maluf é economista, professor CPDA/UFRRJ onde coordena o Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN). Integra a coordenação do Fórum Brasileiro de SAN e é presidente do CONSEA. Pesquisador do OPPA.
A Lei nº 11.947/2009 pode se constituir num marco na história da alimentação escolar no Brasil, desde logo, por conferir densidade institucional a um programa que, embora antigo, carecia de definições em termos de diretrizes e obrigações dos gestores e entes federados envolvidos.
Sobre esse tema, ler também: "Alimentação, escola e agricultura familiar"
Em artigo anterior, apresentei a concepção e principais diretrizes do novo formato do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), estabelecido pela recém sancionada Lei nº 11.947/2009. Abordo agora uma importante novidade introduzida pela referida lei quanto à utilização dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) a Estados e municípios para a compra de alimentos para o programa. O artigo 14 obriga que se utilize no mínimo 30% do total dos recursos na aquisição de gêneros alimentícios originados diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações.
Prioridade é conferida aos assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. Para o fornecimento de cerca de 47 milhões de refeições diárias, o FNDE previu repassar, em 2009, R$ 2 bilhões. Estima-se que o aporte adicional de Estados e municípios para a compra de alimentos chegue a 25% do total federal, isto é, mais R$ 500 milhões sobre os quais, porém, não pesa a referida obrigatoriedade.
Considerando apenas a dotação de recursos federais, a agricultura familiar passa a contar com um mercado institucional (de compras governamentais) de, pelo menos, R$ 600 milhões anuais, podendo ser maior, caso haja suplementação orçamentária no ano em curso ou as compras da agricultura familiar ultrapassem o mínimo de 30%. Nem todo esse montante representa acréscimo, já que muitos gestores municipais já compravam alimentos dessa categoria de agricultor antes da entrada em vigor da lei, muitas vezes se valendo do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA).
Desde logo, não pode ser minimizado o papel da experiência desenvolvida pelo PAA na formatação das diretrizes do PNAE, que incorporam os agricultores familiares como fornecedores. O Brasil tem se destacado pela utilização das compras governamentais para o fortalecimento da agricultura familiar. O PAA, por sua vez, tem demonstrado ser esta uma alternativa viável de operacionalização de programas governamentais e não-governamentais, inclusive fornecendo há sete anos para as escolas como complemento ao PNAE. Destaque-se, porém, não estar ainda suficientemente definida a questão da interação das compras governamentais do PNAE e do PAA. Um importante exercício da intersetorialidade propugnada pelo enfoque da segurança alimentar e nutricional que fundamenta ambos os programas seria a integração da gestão das compras de alimentos por eles realizadas.
A Lei nº 11.947/2009 prevê a dispensa da observância do percentual de 30% quando o fornecimento pela agricultura familiar se defrontar com uma das seguintes circunstâncias: i) impossibilidade de emissão do documento fiscal correspondente; ii) inviabilidade de fornecimento regular e constante dos gêneros alimentícios; ou iii) condições higiênico-sanitárias inadequadas. Esse último ponto foi objeto de intensa negociação quando da votação final da lei no Senado Federal, envolvendo gestores das três esferas de governo, entidades de agricultores, organizações e redes sociais e o CONSEA, aliás, atores bastante envolvidos na própria formulação do projeto de lei. Note-se que estiveram em confronto distintas avaliações sobre a capacidade de as várias modalidades de agricultura familiar responderem, local ou regionalmente, a essa demanda.
A questão aqui subjacente é a conversão de um limite – admitindo-se que a referida capacidade da agricultura familiar terá que ser construída em várias regiões do país – em decisão política de utilizar o potencial do instrumento das compras governamentais na promoção de um desenvolvimento não só ambientalmente sustentável como também mais equitativo, por meio do estímulo à agricultura familiar.
Os agentes responsáveis pela aquisição dos alimentos são as respectivas Secretarias de Educação, as escolas federais ou as unidades executoras por meio de delegação; porém, prevê-se o envolvimento também das Secretarias de Agricultura e de Saúde, Emater, organizações da agricultura familiar, nutricionistas, Conselhos de Alimentação Escolar, de Desenvolvimento Rural e de Segurança Alimentar e Nutricional (municipais e estaduais). Essa participação é especialmente importante no mapeamento da disponibilidade e variedade da produção local, bem como na estrutura e no porte dos possíveis fornecedores a serem cadastrados pela Secretaria de Educação. A lista dos alimentos a serem adquiridos se origina da elaboração dos cardápios de responsabilidade de um/a nutricionista.
Tratando-se de aquisição realizada com chamada pública de compra com dispensa de procedimento licitatório, a regulamentação do programa definiu procedimento com vistas a combinar a obtenção de preços compatíveis com os vigentes no mercado local e a oferta de remuneração adequada aos agricultores. Como regra geral, a pesquisa de preços deve levar em conta os preços de referência praticados no âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA). Nas localidades em que não houver PAA (municipal e/ou estadual), os preços de referência para aquisições de até R$ 100.000,00/ano devem levar em conta a média dos preços pagos aos produtos da agricultura familiar por três mercados varejistas locais (privilegiando feiras de agricultores familiares) ou os preços vigentes de venda no varejo local. Para aquisições acima de R$ 100.000,00/ano, as referências podem ser a média dos preços praticados no mercado atacadista nos últimos 12 meses ou dos preços apurados em licitações de compra de alimentos, ou ainda os preços vigentes em três mercados atacadistas locais ou regionais. Por fim, os preços não poderão ser inferiores aos dos produtos cobertos pelo Programa de Garantia de Preços para Agricultura Familiar (PGPAF).
Outro aspecto importante, também objeto de discussão intensa, foi o reconhecimento da possibilidade de participação de agricultores familiares organizados tanto em grupos formais, na forma de cooperativas e associações, quanto em grupos informais, apoiados por entidades articuladoras não remuneradas e sem responsabilidade formal. Além desses grupos, participa também a categoria denominada de empreendedores familiares rurais. Em todos os casos, é requerida a declaração de aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar/PRONAF. Há um limite de compra de R$ 9.000,00 anuais por agricultor, e de até R$ 100.000,00 dos grupos informais. Uma inquietação vem sendo levantada quanto à seleção dos agricultores que participarão do programa e o risco de práticas clientelistas, remetendo à questão, não discutida aqui, do controle social sob responsabilidade dos CAEs, o qual pode receber importante contribuição dos CONSEAs estaduais e municipais.
Os grupos formais e informais e os empreendedores familiares rurais apresentam projeto de venda de gêneros para a alimentação escolar, cuja seleção pelo setor competente priorizará as propostas de grupos do município. Em não se obtendo as quantidades necessárias, estas poderão ser complementadas com propostas de grupos da região, do território rural, do estado e do país, nesta ordem de prioridade. Ressalte-se que as normas do programa sugerem ter em conta, também, a sazonalidade da produção e priorizar, sempre que possível, os gêneros alimentícios orgânicos ou agroecológicos. Além disso, o detalhamento do cardápio obriga incluir porções de frutas e hortaliças, limita conteúdos de açúcar e gorduras, proíbe bebidas com baixo teor nutricional (refrigerantes e refrescos artificiais) e restringe embutidos, enlatados e preparados.
A Lei nº 11.947/2009 pode se constituir num marco na história da alimentação escolar no Brasil, desde logo, por conferir densidade institucional a um programa que, embora antigo, carecia de definições em termos de diretrizes e obrigações dos gestores e entes federados envolvidos. O PNAE pode ser incluído entre os chamados “programas basilares” do futuro Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, previsto na Lei nº 11.346/2006. Este qualificativo se deve ao fato de ser este um programa em área-chave que, ademais, extrapola seus objetivos primeiros e estruturas específicas, sendo capaz de atuar como nucleador de ações integradas que expressam a desejada intersetorialidade da segurança alimentar e nutricional.
Por fim, cabe destacar que, desde a construção da proposta que resultou na nova lei até, principalmente, sua materialização em todos os municípios do país, o PNAE envolve um exercício nada óbvio da perspectiva do direito à alimentação e da intersetorialidade reivindicada pelo enfoque da soberania e da segurança alimentar e nutricional que vem sendo desenvolvido no Brasil. Considere-se não só a multiplicidade de atores com olhares distintos e interesses nem sempre coincidentes, como também as relações nem sempre harmoniosas entre os entes federados. No mínimo, assiste-se à criação de um elo institucional entre a escola e a atividade de ensino e a agricultura de base familiar, mediada pelos alimentos (os bens alimentares) e pela alimentação (o modo como nos apropriamos desses bens).
Renato Maluf é economista, professor CPDA/UFRRJ onde coordena o Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN). Integra a coordenação do Fórum Brasileiro de SAN e é presidente do CONSEA. Pesquisador do OPPA.
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21 outubro 2009
Belluzzo: Taxação é boa, mas poderia ser mais radical
Por: Marcela Rocha
O governo decidiu taxar com uma alíquota de 2% o capital estrangeiro que entrar no País para aplicações em renda fixa e ações. O intuito é evitar uma valorização exagerada do real e a criação de uma bolha decorrente do excesso de liquidez internacional. Para o conselheiro informal do presidente Lula para assuntos econômicos, Luiz Gonzaga Belluzzo, a medida poderia até ser mais radical. Ele defende, há muito tempo, maior intervenção do Banco Central no câmbio.
- Na verdade, quem está contra a taxação quer cuidar dos próprios investimentos, dos interesses próprios. O governo tomou uma medida que, na minha opinião, deveria ser mais radical. Deveria ter alterado a forma de atuação do Banco Central no mercado de câmbio - avalia Belluzzo, ex-secretário do Ministério da Fazenda.
O ministro Guido Mantega anunciou a medida informando a tributação, a partir de terça-feira, 20, por meio de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). "A valorização descontrolada vai afetar negativamente as exportações, afetar a participação do Brasil no mercado de manufaturados e a rentabilidade dos produtores do agronegócio", comenta Belluzzo.
- Na verdade os investimentos produtivos são altamente prejudicados com a valorização. Só um demente pode acreditar que a valorização do real seja favorável - critica.
O diretor do departamento da América do Fundo Monetário Internacional (FMI), Nicolás Eyzaguirre, alertou, nessa segunda-feira, 19, que os controles de capital anunciados pelo Brasil são pouco efetivos, uma vez que não conseguirão frear a entrada de capital e poderão ser burlados pelos investidores. Para Belluzzo, "taxando, coloca-se alguma dificuldade". E acrescenta: "Esse chileno disse besteiras a respeito da economia internacional. Agora, não pode se meter".
- Se o real valoriza, gera emprego na Coréia e não aqui. Vai dar emprego pra chinês, coreano e pra hindu. Aqui não tem emprego, porque o sujeito vem, vende muito mais barato e as empresas nacionais vão fechar, afeta o setor industrial - alerta.
Belluzzo é um dos idealizadores do Plano Cruzado (1986), foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987), é, hoje, membro do Conselho de Administração da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) e conselheiro informal do presidente Lula.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Terra Magazine - O senhor é a favor de taxar capital estrangeiro? Há um bom tempo o senhor é a favor de maior controle...
Luiz Gonzaga Belluzzo - Eu e mais um grupo de uns 20 economistas. Acredito que o Banco Central e o Ministério da Fazenda tinham que tomar alguma medida para conter a valorização do real. A valorização descontrolada vai afetar negativamente as exportações, afetar a participação do Brasil no mercado de manufaturados e a rentabilidade dos produtores do agronegócio. Na verdade os investimentos produtivos são altamente prejudicados com a valorização. Só um demente pode acreditar que a valorização do real seja favorável. Os europeus estão preocupadíssimos com a valorização do euro, por exemplo. Basta ler um economista competente como o Willen Buiter.
Por que ainda se defende a valorização do real, então?
Na verdade, quem está contra a taxação quer cuidar dos próprios investimentos, dos interesses próprios. O governo tomou uma medida que, na minha opinião, deveria ser mais radical. Deveria ter alterado a forma de atuação do Banco Central no mercado de câmbio. O BC deveria fechar o câmbio lá e parar com a palhaçada que é a valorização do câmbio. A taxação é uma forma ainda imperfeita, mas necessária. A valorização é boa pra quem? Pra quem está fazendo arbitragem. Para o resto do Brasil, não é boa. Aí o sujeito tem coragem de dizer que não tem especulação com câmbio. Óbvio que tem especulação com o câmbio, como tem especulação com qualquer ativo. A palavra especulação não tem qualquer sentido moral, ela é constitutiva dos mercados financeiros e não tem qualquer sentido moral. Então, não me venham com histórias e moralismos de quinta categoria.
O ministro Guido Mantega disse que isto preserva o emprego. Como se chega nessa equação?
Se o real valoriza, gera emprego na Coréia e não aqui. Vai dar emprego pra chinês, coreano e pra hindu. Aqui não tem emprego, porque o sujeito vem, vende muito mais barato e as empresas nacionais vão fechar, afeta o setor industrial. Daqui a pouco começa de novo essa história de usar derivativo cambial para se proteger e vai gerar aquela confusão que já deu. Esses sabichões do mercado deveriam parar de aconselhar as pessoas a fazerem coisas que não devem, como por exemplo, aplicar no fundo do Bernard Madoff.
A grande preocupação é com que essa medida afaste investidores?Sim, aí fica uma bolha na bolsa e vai deixar continuar? Não aprenderam nada. Parecem Bourbons, lembram-se de tudo e não aprendem nada.
Podemos dizer que se esta medida existisse nos EUA há um ano a crise teria sido evitada?
Nos EUA, o caso é outro. Lá, tinham também o problema de valorização do dólar, do excesso de liquidez promovido pelo abastecimento da China, fruto dos desequilíbrios globais do balanço de pagamentos. Diante do crédito fácil, o sistema financeiro, para variar, resolveu ingressar na zona dos riscos "explosivos". São problemas maiores que não poderiam ser resolvidos com isto.
Alguns economistas defendem que essa taxação é reflexo da perda de arrecadação do governo depois da crise?
Não, não. Na verdade, se a taxação afetar o fluxo, certamente e a receita não será tão grande. É preciso observar como será a reação do mercado à taxação. A única coisa que sei é que os efeitos a curto e longo prazo da valorização cambial são muito ruins para a indústria e para os investimentos no setor industrial.
Outros economistas defendem que ano passado, o IOF, que vigorou para fluxos de renda fixa, não impediu o real de se valorizar. Porque agora funcionaria? Qual a diferença?
Eu teria feito uma coisa muito mais drástica, eu deixaria para fechar toda a operação no Banco Central e acabou. É como se o BC se transformasse num leiloeiro. Se não fizer isso, os investidores tentarão contornar. Mas a taxação já é alguma coisa, espero que faça efeito. Dizem que intervenção não funciona, mas na China funciona, porque eles operam por dentro do sistema bancário. No fundo, isto tem muito a ver com a interferência dos bancos na formulação na política econômica e na captura do BC.
O Chile adotou essa medida, desta mesma forma?
O Chile fez uma quarentena e tem um fundo fiscal. O Brasil terá que fazer isso, vai chegar lá, vai usar o fundo soberano quando precisar para o pré-sal. É inacreditável o que estas pessoas estão falando nos jornais contra a taxação. Deveriam se esconder, disseram e fizeram um monte de asneiras.
O diretor do departamento da América do Fundo Monetário Internacional (FMI), Nicolás Eyzaguirre, alertou nessa segunda-feira que os controles de capital anunciados pelo Brasil são pouco efetivos, uma vez que não conseguirão frear a entrada de capital e poderão ser burlados pelos investidores.
Pode, mas taxando, coloca-se alguma dificuldade. Esse chileno disse besteiras a respeito da economia internacional. Agora, não pode se meter. Os países que conseguiram estabilizar o câmbio e acumular reservas se deram bem. Os que não conseguiram se deram mal. O problema é que a valorização do real é absurda, muito alta em relação às outras moedas.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Fonte: Terra Magazine
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