19 novembro 2009

Após voto favorável aos Xavante, TRF suspende julgamento sobre terra do povo


Foi suspenso ontem, 16 de novembro, o julgamento sobre a terra Maraiwatsede, após o voto do relator do processo, juiz federal Pedro Francisco da Silva, que foi favorável ao povo Xavante. Após o voto do relator, o desembargador João Batista Moreira pediu vista do processo e anunciou que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) retomará o julgamento do caso no início de 2010, quando ele apresentará seu voto.

Em sua decisão, Silva indeferiu os pedidos dos réus – fazendeiros e posseiros que ocupam a área indígena – e considerou válido o processo de demarcação da terra no norte do Mato Grosso. Os cerca de 40 Xavante que acompanharam o julgamento no TRF1 ficaram insatisfeitos com o adiamento da decisão, mas estão confiantes que a decisão final sobre o caso determinará a retirada dos ocupantes não índios da terra do povo, cuja demarcação foi homologada em 1998. Apesar da terra continuar invadida, em 2004, um grupo Xavante voltou para a Maraiwatsede, onde vivem cerca de 900 indígenas em uma única aldeia.

“O primeiro voto foi bom, mas a gente fica um pouco sem paciência, por que já tem muito tempo que a gente quer viver de novo na nossa terra. Os velhos queriam voltar para morrer lá, por isso voltamos. A terra é nossa. Dizem que não tinha Xavante lá. Isso é mentira. Eu nasci em Marairawtsede e fui levado de lá com meu pai, meus irmãos...” avalia o cacique Damião. Ele foi um dos 234 indígenas que foram transferidos de Maraiwatsede em 1966 para a terra São Marcos - também dos Xavante – no sudeste do Mato Groso. Uma semana após o deslocamento, em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), quase 70 Xavante já haviam morrido vítimas de sarampo - entre eles o pai de Damião.

Marco temporal e esbulho

No tribunal, os advogados de defesa dos fazendeiros e posseiros argumentaram que não havia indígenas na terra Maraiwatsede desde 1966. Dessa forma, considerando que a Constituição Federal determinaria a data de 5 de outubro de 1988 como marco temporal para a identificação da ocupação tradicional de terras indígenas, a terra Maraiwatesede não poderia ser demarcada.

Ao analisar este argumento, o juiz Pedro Francisco da Silva fez referência à decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol. Considerando o acórdão do STF sobre este caso, Silva destacou que a questão central para o caso é saber se os Xavante estavam na terra em 1988 ou se não estavam por que foram retirados do lugar. Após considerar todos os documentos apresentados, o juiz concluiu que os Xavante foram “despojados de suas terras por Ariosto Riva e pelo Grupo Ometto” com o objetivo de expandirem a produção na chamada fazenda Suiá-Missu – que se instalou sobre a terra indígena. “Pode-se dizer que não havia indígenas em 1988, mas não se pode negar a verdade de que isso se deu por expulsão urdida pelos administradores da fazenda Suiá-Missu”, afirmou o juiz em seu voto.

Fonte: CIMI

Casaldáliga: disputa entre xavante e posseiros por Marãiwatsede (MT) está longe de terminar


"A justiça tem sido muito lenta". A frase é do bispo aposentado de São Félix do Araguaia, Dom Pedro Casaldáliga, que comemorou a decisão da Justiça Federal em devolver a terra indígena de Suiá Missú aos xavante, mas reconhece que essa disputa, iniciada na década de 60, ainda está muito longe de terminar.

Casaldáliga lembra que entre 1963 e 1966, os xavante que moravam na região do município de Alto Boa Vista foram transferidos das terras em que viviam, chamada Marãiwatsede, com 165 mil hectares. Segundo os xavante, a terra foi vendida naquela época pelo governo de Mato Grosso a um grupo de usineiros do interior de São Paulo.

Desde que foram obrigados a deixar Marãiwatsede, os índios travam uma batalha pela posse da terra e ainda sonham com o retorno à região. Como conseqüência disso, vários conflitos foram registrados envolvendo a população indígena e famílias de posseiros e fazendeiros que passaram a ocupar o local. Até mesmo madeireiras clandestinas já se instalaram naquela área.

A decisão

No início deste mês, o juiz José Pires da Cunha, da 5a Vara Federal de Mato Grosso, em decisão de mérito, determinou que os posseiros desocupassem a área. Com isso, os xavante poderiam retornar à terra de origem deles.

Casaldáliga ressalta que a decisão do magistrado é louvável, mas ele revela estar pessimista quanto à devolução das terras aos índios. "A decisão do juiz foi totalmente constitucional e corajosa, defende as terras dos xavante e os ocupantes vão ter que sair", frisa o bispo, que durante décadas acompanhou a luta dos indígenas. No entanto, Casaldáliga afirma que os xavante estão desconfiados. "Como já tenho ouvido muitas vezes promessas, os índios estão, como diz o povo, 'cabreados'".

Os xavante aguardam a devolução das terras de Suiá Missú e esperam que não haja mais reviravoltas. "Agora vamos aguardar porque os outros apelaram a instâncias superiores. Quando chega nesse nível de pingue-pongue, pode durar anos", disse Casaldáliga ao RMT Online.

Desmatamento

Dom Pedro Casaldáliga prevê mais disputas judiciais entre índios e posseiros e lamenta que a natureza, nesse ínterim, esteja sendo destruída. "Na década de 60, entre 1963 e 1966, os índios xavantes que moravam naquela região foram transferidos. E eles têm continuado insistindo na terra Marãiwatsede. Começaram a entrar lavradores, comerciantes e fazendeiros, que esses anos todos estão ocupando a terra, desmatando a região. E a justiça tem sido muito lenta porque implica em roubo de terra, implica em agronegócio e povos indígenas".

Segundo o bispo, há centenas de famílias recenseadas, cadastradas, e que têm direito à terra. "Há também vários grupos flutuantes de famílias. E muitos outros já se cansaram e foram embora", completou.

Questionado se acredita em uma solução rápida para o conflito, a resposta é pessimista. "Acho que, infelizmente, não. Apelação vira um jogo de pingue-pongue. Apelam em uma instância, apelam de novo", argumenta Casaldáliga. Ele reconhece, porém, que a vantagem é que esse problema todo tem se oficializado. "Nenhuma das instâncias políticas ou jurídicas pode dizer que não conhece e que não sabe [do conflito], porque se tem falado bastante sobre isso".

Casaldáliga conta que não há registros recentes de confronto entre índios e posseiros ou fazendeiros, mas que a tensão ainda sobrevive na região. "Ameaças. Houve algum tipo de confronto localizado. Por exemplo, um grupo dessas famílias, que estava em uma área do Incra, dentro do município de Bom Jesus [do Araguaia] viu seus barracos destruídos pela polícia".

Publicado originalmente em:12/03/2007 no RMT Online

Fonte:
CIMI

Villa-Lobos: Os 50 anos da morte de um gênio da música


Esta semana fez 50 anos da morte de Heitor Villa-Lobos. Ele faleceu no dia 17 de novembro, no Rio de Janeiro, aos 72 anos. Não foi pequena a comoção pelo desaparecimento do nosso maior compositor. Para um grupo, desaparecia o criador de uma música essencialmente brasileira, desbravador de sertões e florestas em busca do folclore que serviria de inspiração a suas obras; para outro, o grande vilão da criação moderna, símbolo do conservadorismo.

Quem estava certo? No palco da vida musical brasileira, Villa-Lobos desempenhou, desde sua morte, diversos papéis. E nos últimos anos não apenas a vanguarda reviu a posição crítica com relação à sua obra, como o folclore mostrou-se apenas parte de um todo bastante maior.

Menos do que um símbolo, Villa hoje reaparece como figura incoerente, que cabe em todas as definições que se aplicaram a ele - mas não se limita a nenhuma delas. Está, enfim, livre para ser ele mesmo.

Conjunto caótico

"Já é hora da obra de Villa-Lobos falar por si própria", diz o maestro e compositor Gil Jardim, autor de O Estilo Antropofágico de Villa-Lobos. "Temos depurado nossa percepção de seu legado e a obra vem conquistando crescente autonomia pelo seu valor intrínseco", continua.

Villa-Lobos nasceu no Rio em março de 1887. Autodidata, foi influenciado pela música dos chorões cariocas, assim como demonstrou interesse desde o início por manifestações folclóricas. Viveu durante duas temporadas em Paris (nos anos 10 e 20), onde teve contato com a música de Claude Debussy e Igor Stravinski e, no fim da vida, morou nos EUA, onde compôs para cinema e para a Broadway.

Escrevia muito, sem se preocupar em passar a limpo ou revisar as partituras. Entrar na sua obra é, portanto, conviver com um universo caótico de cerca de 1.200 peças das mais diferentes proporções, inspirações e técnicas, como os ciclos das Bachianas Brasileiras e dos Choros.

"Ele conseguiu um amálgama de muitas correntes de sua época, como o nacionalismo, o neoclassicismo, o experimentalismo, o exotismo, até mesmo prediz o minimalismo", diz a pianista Sonia Rubinsky, que gravou a integral de sua obra para piano (selo Naxos).

"Ezra Pound disse que um escritor se divide em três categorias: aquele que inventa e, portanto, muda a história; aquele que é um mestre e consegue captar com maestria as ideias de outros; e aquele que copia. Parece que Villa-Lobos foi tudo isso. Ele extrapola rubricas", acredita a compositora Jocy de Oliveira.

Para o maestro Julio Medaglia, até mesmo a relação dele com o folclore já passa por reavaliação. "Ele não foi um provinciano. Ele sabia o que de novo se fazia na Europa e armou uma guerra entre a matéria-prima nacional e o know-how da música do Ocidente", diz. "O que resta, hoje, é sua obra extensa, polêmica, forte, carismática, com muita brasilidade, mas também universalidade", completa o maestro Luis Gustavo Petri.

"Sua obra, irregular, complexa, tem muitos aspectos ainda a serem avaliados", afirma o violonista Edelton Gloeden. E o compositor Gilberto Mendes, um dos autores do Manifesto Música Nova, que orientou parte da vanguarda brasileira, acrescenta: "Admiro sua inventividade, a modernidade de sua linguagem. Não me interesso pelo seu brasileirismo e, sim, ao contrário, pelo seu ecletismo tropicalista pós-moderno avant la lettre".

Gerações

A revisão da imagem de Villa-Lobos de alguma forma parece relacionada à dissolução da dicotomia entre nacionalistas e vanguardistas que, meio século depois, já não pauta mais a produção de compositores brasileiros. "Estamos livres do domínio ideológico e político associado à imagem de Villa, e cada vez mais se interessando pelo compositor, seu métier e obras que ainda estão por ser melhor entendidas, e que têm muito a contribuir na formação de novas bases da composição, especialmente no âmbito da orquestração e da estruturação formal", diz o compositor Leonardo Martinelli.

"Os músicos da geração seguinte a Villa-Lobos foram de algum modo intimidados por sua sombra. Já minha geração foi formada reagindo negativamente à escola nacionalista e, a princípio, o ignoramos. Mas em meados dos anos 80 começamos a descobrir que Villa-Lobos tinha também muitas facetas revolucionárias e pudemos recuperar aspectos da linguagem de suas obras atonais e continuar a desenvolvê-los sem que isso representasse um peso intimidador", diz o compositor e professor da USP Rodolfo Coelho de Souza, apontando para uma realidade na qual a música brasileira parece livre da sombra onipotente do autor das Bachianas.

Não chega a ser um paradoxo que tal realidade liberte o próprio Villa-Lobos de sua história. E o traga para o presente.


Com O Estado de S.Paulo

Fonte: Vermelho

09 novembro 2009

Pesquisa mostra insatisfação com livre mercado, 20 anos depois de queda do muro


Uma pesquisa realizada a pedido da BBC em 27 países e divulgada nesta segunda-feira apontou que existe uma grande insatisfação com o capitalismo de livre mercado, 20 anos após o episódio que marcou a derrocada de seu sistema rival, o comunismo.

Em um universo de 29 mil entrevistados, apenas 11% disseram que o capitalismo “funciona bem” e que uma maior regulação por parte dos governos o tornaria “muito menos eficiente”.

Por outro lado, 23% opinaram que o sistema “está cheio de falhas e precisamos de um novo sistema econômico”.

Os resultados foram compilados para coincidir com os 20 anos da queda do muro de Berlim, que dividia a cidade em duas metades, uma ocidental, capitalista, e outra oriental, comunista.

“Parece que a queda do muro de Berlim, em 1989, não foi a vitória arrasadora para o capitalismo de livre mercado que parecia à época”, disse Doug Miller, presidente da Globescan, uma das empresas parceiras da iniciativa.

Após mais de uma década de experiências neoliberais, iniciadas a partir do chamado consenso de Washington, nos anos 1990, e sobretudo depois da crise econômica atual, atribuída em grande parte aos excessos do mercado, a pesquisa mostrou uma receptividade de cidadãos em diversos países a algum tipo de presença governamental da economia.

A maioria dos entrevistados (51%) opinou que o capitalismo de livre mercado “tem alguns problemas, mas esses problemas podem ser resolvidos através de reformas no sistema e mais regulação/ controle”.

“As pessoas não querem abandonar o capitalismo, mas moderá-lo”, disse Steven Kull, diretor do Programa sobre Atitudes em Políticas Internacionais (Pipa, na sigla em inglês), com sede em Washington, parceiro da pesquisa.

Para Kull, “há espaço para os governos atuarem na distribuição de riqueza e até controlando setores econômicos”.

Nesse aspecto, o Brasil se destacou. Foi o país com a maior proporção de entrevistados que defendeu um papel mais ativo do governo “na regulação dos negócios do país” e o quinto com maior apoio à ideia de que o governo “controle diretamente as principais indústrias do país”.

Clique Leia também na BBC Brasil: No Brasil, 64% querem maior controle do governo na economia

Satisfação com o sistema

Os entrevistados brasileiros – 835, em nove capitais – expressaram mais ceticismo em relação ao livre mercado que entrevistados de outros países.

Embora 43% tenham dito que os problemas do sistema podem ser resolvidos através de reformas, Kull considerou “impressionante” que 35% tenham expressado que “um novo sistema econômico” é preciso.

Clique Fórum: O governo deve ter mais influência nas indústrias e negócios no Brasil?

Foi o terceiro maior percentual dado a esta resposta, atrás apenas do verificado na França (43%) e no México (38%).

Entre os mexicanos, apenas 2% dos entrevistados consideraram que mais regulação tornaria o capitalismo menos eficiente, contra 8% dos brasileiros.

Na própria Rússia, comunista até 1991, a visão de que “precisamos de um novo sistema econômico” recebeu menos preferência (23%).

A opinião prevalente entre os russos é a de que o livre mercado tem “alguns problemas que podem ser resolvidos com mais regulação” (43%). Já 12% acham que mais intervenção “tornaria o sistema menos eficiente”.

O país que mais apóia o livre mercado foram os Estados Unidos (25%). Ainda assim, mais da metade dos cerca de mil americanos entrevistados (53%) disseram que o sistema tem “alguns problemas” e precisa de mudanças. Outros 13% dos americanos advogaram um sistema diferente.

O apoio ao capitalismo também foi relativamente alto no Paquistão, onde 21% disseram que mais amarras o tornariam menos eficiente, e na República Tcheca, onde essa resposta recebeu 19% dos votos.

Governo na economia

A pesquisa não perguntou que sistema seria considerado pelos entrevistados como uma alternativa ao capitalismo de livre mercado.

Mas quis saber deles o que pensavam da atuação do governo na “distribuição de riquezas”, na “regulação dos negócios” e no controle direto das “principais indústrias” de seu país.

No Chile, no México e no Brasil, em torno de 90% dos entrevistados responderam que o governo deveria ter um papel maior na distribuição de riquezas de um país, o maior apoio de uma região por este objetivo.

No Brasil e no Chile, houve grande apoio à ideia de que o governo deveria “regular mais os negócios de um país” (Brasil, 87%, Chile, 84%) e até ser “dono ou controlar diretamente as principais indústrias do país” (Chile, 72%, Brasil, 64%).

“A América Latina está mais à esquerda em relação a outras partes do mundo, e o Brasil se destaca nisto”, disse Kull.

“Nos países europeus houve grande apoio a uma maior participação do governo na economia, mas quando se usa o termo 'controlar' o apoio cai. Isso não se aplica à América Latina, onde essa não é uma ‘palavra proibida’”, comparou.

Só na Rússia (77%) e na Ucrânia (75%) houve maior preferência a que o governo detenha ou controle as principais indústrias do país.

Um país que chamou a atenção dos pesquisadores foi a China, onde 58% crêem que o livre mercado “tem alguns problemas, que podem ser resolvidos com regulação”.

Entre os chineses, 71% disseram que o governo deveria fazer mais para distribuir riqueza no país, mesmo percentual dos que defenderam uma maior regulação nos negócios. Outros 52% opinaram que o governo deveria ter mais papel no controle direto das principais indústrias do país.

Para Steven Kull, esta opinião se deve ao desejo dos chineses de ver o governo agir para contrabalançar os efeitos da abertura econômica que o país tem experimentado nas últimas décadas e, em especial, nos últimos dez anos.

“Na última década, as coisas se tornaram menos estáveis e menos previsíveis para os chineses, ainda que a economia esteja crescendo e eles estejam mais ricos”, disse.

“Existe um problema em relação ao acesso à saúde e ao desemprego, e eles querem que o governo assuma os mesmos compromissos que assumiu no passado, de garantir o acesso dos cidadãos a serviços básicos.”



Fonte: BBC BRASIL